Uma cantada pouco comum

Paulo Ludovico

Dizem que conversar muito é privilégio das mulheres. Quando digo muito, não me refiro, especificamente, a conversar bem. “Muito”, nesse caso, é referência a tempo de conversa mesmo, e não à qualidade da prosa. Se o papo é no telefone, aí, meu amigo, é um “deus-nos-acuda”. Sei de uma distinta senhora que passou mais de cinco horas num papo por telefone. A que falava era daquele tipo que tinha a conversa comprida. E falou de Deus e do mundo. A que ouvia, sentou, levantou, sentou de novo, deitou, esperou, tornou a deitar, se irritou, e, em certo momento, esticou tanto o fio do telefone que o danado chegou a perder aquela aparência de mola, ficou “esticadão”. E lá vem blá blá blá. No final da conversa, a que ouviu “tava” com a orelha em brasa, assada igual a “bunda de nenê”.

Conheço um danado que é também desse tipo, quando levanta pra falar, ninguém agüenta. Numa determinada reunião, o “home” começa a prosa com um assunto, lá pelo meio emenda com outro, mais adiante vem um tema diferente, e assim, enchendo a paciência de todos (inclusive a de dois amigos, Juvêncio e Aloísio, que participam da mesma reunião), vai botando palavra em cima de palavra, sem que a prosa chegue ao fim.   

Pra conversar muito, não falta gente, e qualquer lugar serve. Tem mais de um, lá vem conversa. Agora, falar bem e bonito, meu amigo, é privilégio de poucos. Não importa de quem venha o tom, homem ou mulher. Conheço muita gente que sabe juntar as palavras. A professora Railda, por exemplo, sabe falar bonito, o doutor Wladir, esse, então, falar bonito é com ele mesmo. Jório, do posto Dilubra, não fica atrás, acostumado a presidir reuniões, o brabo tem traquejo quando solta o verbo. O professor de Literatura, Dilson, é outro, conversar fácil e bonito “tá” ali mesmo. E é justamente sobre Dilson, lá de Itapetinga, a nossa prosa de hoje.

Dilson é aquele tipo agradável e de prosa bonita. Piadista, sempre tem uma anedota na ponta da língua. Poderíamos referir a ele como sendo o “professor da palavra fácil” (slogan de um comentarista de futebol, o Luís Mendes). Estatura mediana, cabelos fartos e compridos, artista plástico de mão cheia. Na arte de falar, o “bicho” domina tanto o assunto e fala tão bonito, que só dá aula com a sala cheia. Todo mundo pára pra ouvir o danado.

Certo dia, pra perto de uma dezena de anos, lá na vizinha Itapetinga, saem Dilson e Orlei. Os dois estavam a fim de fazer lambança, numa festa lá no clube Os Coroas. Orlei? Ah! Orlei é outro professor, também, de Itapetinga. Ele ensina Biologia, no Colégio Opção. “Taí” outro cabra bom. Bom professor e pessoa agradável, menos proseador que Dilson, é bem verdade, mas bom de conversa. Isso hoje, porque antes “num era não”. Vamos voltar à festa de alguns anos atrás, épocaem que Orleiera um rapaz tímido de dar dó. Essa quem me contou foi o próprio Dilson.

Estavam os dois nos divertimentos festivos, de repente, Orlei olha num canto do salão e depara com aquele monumento. Uma morena lindíssima, dessas de fazer judeu errar no troco. Tudo no lugar. Vestido branco e curto. Lapa de “pernão”, de dar inveja a qualquer dançarina de grupo de música baiana. Carla Perez, as “Sheilas” (lembra?) eram fichinhas. Se fosse hoje, iriam arrumar um apelido pra morenaça (aquele do tio melancia, melão, mamão, sei lá que fruta seria….uma salada de fruta completa). Seios bem proporcionais e, generosamente, à mostra. Estávamos no verão e percebia-se até a marca do biquíni (aquela deixada pelo sol) . Orlei já não se agüentava mais, tinha, a qualquer custo, de falar com a morena. Mas como seria isso, se, na hora “H”, faltavam palavras? Só apelando pro “famosíssimo papo” de Dilson. Depois das devidas explicações, Orlei tinha a promessa do amigo de não apenas o ensinar a se sair (ou entrar) bem nessas situações, mas iria mostrar como fazê-lo.  

Estrategicamente, ao mesmo tempo em que a morena, Dilson (com Orlei na cola) segue em direção ao bar. Ao perceber o pedido do “avião”, uma certa mistura, ao mesmo tempo, doce e amarga, Dilson, sem pestanejar, apontando pro garçom:

– O mesmo que ela.

Virou-se pra morena e disse gostar muito daquela bebida pelo contraste no sabor, amargo e doce (depois, Dilson confessou a Orlei que nunca havia bebido aquilo, anteriormente). Ela, de maneira simpática, concordou e acrescentou que sabores diferentes numa mesma comida a atraíam muito, doce e salgado, por exemplo. Dilson não perdeu a oportunidade de se referir ao contraste entre a pele morena dela com o branco do vestido, que a deixava mais bonita, ainda. Ao lado, boquiaberto, estava Orlei. Como era possível um papo tão fácil assim?

Nessa brincadeira, conversa vai, conversa vem, quase vinte minutos se passaram. Os dois já estavam na terceira ou quarta dose, era impossível lembrar. Orlei, impressionadíssimo, assistia a tudo e cada vez mais encantado com os dotes da morena. Os seios? Ah! Os seios, pensava Orlei, em certos momentos, parecia que iriam pular do vestido.  De repente, Dilson e o “avião” se dão por satisfeitos, como antigos amigos, trocam beijinhos de despedida e retornam aos seus lugares. Novamente sozinho com Orlei, Dílson enfatiza que iniciar um papo é fácil, é só saber aproveitar um assunto do momento. Deve-se aproveitar qualquer coisa que estiver acontecendo, ou que a pessoa esteja fazendo. Ele, por exemplo, aproveitou o contraste no sabor da bebida, pra começar a conversa.

– Entendeu, Orlei? É só aproveitar um acontecimento do momento!

Orlei, depois de agradecer ao colega, foi ao bar e, senhor da situação, pediu a mesma bebida ao garçom, aquela amarga e doce (não gostou muito do sabor). Com o copo na mão, seguiu a morena a noite toda. Lá ia o “boeing” e, atrás, o velho Orlei. Pelas tantas, quase de madrugada, o som pipocava alto, no auge dessa onda de música baiana. Orlei, finalmente, resolve partir pra morena. Azar o dele que, nesse exato momento, ela vai ao toillete (banheiro, mesmo! Aliás, diz um amigo, o Ronaldo, “banheiro, não!”, e justifica, “ela não foi tomar banho”). Orlei fica em pé, na porta, esperando. Que azar, pensava ele, fazer isso justamente agora. “Ela não poderia segurar um pouquinho?” Perguntava a si mesmo. De repente, sem que o nosso protagonista esperasse, sai a morena e dá de cara com Orlei, pára por alguns segundos em frente a ele (com um certo sorriso nos lábios, carnudos, diga-se de passagem. Orlei, parecendo ter visto assombração, não sabe o que fazer. Tudo que ele havia preparado pra dizer, jamais foi com a mulher saindo de um banheiro. De repente, numa fração de segundo, ele recorda da dica de Dilson: “um assunto do momento”. Sem muito raciocinar, dirigindo-se à assustada mulher, Orlei, com o olhar de conquistador (pelo menos ele achava) e balançando o copo, como aquele “caubói” de filme de bangue-bangue, solta essa pérola:

–          Dando a velha “mijadinha”, heim?


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