As chuvas das águas

Jorge MaiaJorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo, quando eu costumava ouvir esta expressão: chuva das águas, sempre acompanhada do artigo a no singular indicando um período de chuvas e não apenas a uma chuva, pois estas eram muitas, fortes e duradouras. A expressão sempre me cativou, pois, soa de modo harmonioso e tem conotação poética.

Inicialmente, pensava que se tratava de um pleonasmo. Mas eu ouvia isso de pessoas simples, em especial do homem do campo, do catingueiro que depositava nas chuvas das águas a esperança de plantar e colher feijão e milho. Depois, percebi que o mundo mudou tanto que nem sempre chuva é de água: chuva ácida, chuva de meteoros e chuva de besteiras e de corrupção. Assim, não tem importância preocupar-se com vício de linguagem e nem de aprisionar em uma qualificação uma expressão popular carregada de otimismo.

Várias vezes eu fiquei prisioneiro em um prédio qualquer do centro da cidade, não conseguindo voltar para casa. A enxurrada era tanta e a chuva tão volumosa que não podia voltar para casa, por causa de uma das chuvas das águas que se tornava assunto em todas as casas.

Mas tudo não era tão simples. A espera da chuva era um ritual de conversas e previsões. Não a previsão de índice pluviométrico, ninguém sabia sobre isso, o que todos queiram era que a chuva caísse, e ela caía, forte, barulhenta, anunciando que a natureza cumpria o seu ciclo. A natureza tinha palavra, falava que a chuva vinha e vinha mesmo!

O mês de outubro era o portal das chuvas das águas e todos faziam planos para o plantio e recuperação dos pastos. Havia uma renovação da vida que brotava em cada canto. A chuva das águas trazia uma esperança de continuidade dos ciclos naturais e a certeza de que a natureza estava em ordem e apenas confirmava todos aqueles sinais antes enviados, a exemplo do canto das cigarras.

Não sei bem o que houve. Sei que a natureza mudou, obedecendo aos seus ciclos de longo e médio prazo, certamente apressados pela ação do homem.Estas mudanças são preocupantes, em especial pela força com que a natureza tem respondido às agressões que vem sofrendo ao longo do tempo. A natureza não sabe o que é bom ou ruim, apenas não aceita provocações. VC. 040114


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