Em defesa da ignorância

Jorge Maia

Jorge Maia

Não é preciso ser grego, nem falar alemão para ser filósofo. A Beócia fala Beocês e tem filósofo. Não foi difícil descobrir isso; outro dia, em uma daquelas vezes em pernoitei na Beócia, aproveite para curti a noite e sai para o jantar em um dos bons restaurante da cidade. Costumeiramente fui bem recebido por alguns amigos que sentavam à mesma mesa. Fui convidado e recebido com a alegria comum aos beócios.

Cumprimentei a todos e pedi que a conversa continuasse, não queria incomodar o bate papo da turma. Assim, a conversa retornou com a palavra dominada por Zé Picuinha, filósofo local que defendia a ignorância como fórmula para trazer a paz e a serenidade à terra. Era político na Beócia e tinha uma boa oratória  e reiniciou a conversa  afirmando que a felicidade é ignorante.

Sua retória percorria uma avenida engraçada, pois dizia que os ignorantes não conhecem os sofrimentos  maiores, justamente pela falta de conhecimento. O saber produz dúvidas e preocupações incontornáveis. Desconhecer é o caminho para viver bem. Ademais, afirmou, que não tendo conhecimento, o homem não pratica certos atos de corrupção e crimes de natureza econômica.

Defendia a sua tese comparando que em certos cargos  ocupados por pessoa  portadoras de diploma de nível superior, ou de pessoas muito bem informadas, sempre há crimes relacionados com a corrupção.

Começou a citar exemplos: você já viu pessoas de conhecimentos modestos, ou totalmente ignorantes, fraudar licitação? Enviar dólares para  Suíça, ou Ilhas Cayman?   Alguém tem noticias de que algum trabalhador rural que usou o caixa dois para subornar alguém ou empresa? Sabe dizer se algum servente de pedreiro, pessoa simples, participou   de alguma falcatrua que abalasse os pilares da República? Algum gari, de modestos conhecimentos, que tenha participado de assalto o Banco central? A resposta é não.

Senhores, continuou, os maiores problemas deste  País tem sido causados por pessoas  com educação superior. Essas pessoas  causam danos terríveis ao nosso povo. Defendia com entusiasmo a ignorância, o fim dos cursos universitários, enfim algo que afastasse o homem de tanto conhecimento e que tem causado tantos males à nossa gente, o que sempre é causado por detentores do saber. Todos estavam perplexos, mas ninguém ousava contrariar.

Zé Picuinha não o foi o primeiro a pensar dessa forma. Para fundamentar a sua tese, referiu-se a um bilhete anônimo, encontrado em um campo de concentração nazista, em que o autor dizia ser sobrevivente daquele campo e que viu: “câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas  por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a educação.

Meu pedido é: ajude os seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética só são importantes se fizerem nossas crianças mais humanas”.

Um silêncio sepulcral caiu sobre o grupo e Zé Picuinha reafirmou: viva a ignorância. Tomei um suco de gabiraba, importado de Aracatu. Então, sai cabisbaixo e fui para o Hotel Gaivota, onde no restaurante meditava sobre o assunto, enquanto aguardava o ensopadinho de ervilha, uma receita que ajudei a criar e que tem história para contar.   VC251014.


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