Nos Barracos da Cidade: a luta das ocupações ‘Cidade Bonita’ e ‘Comunidade Maravilhosinha’ à moradia adequada

Fotos: BLOG DO ANDERSON

Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa da UESB

Em 19 de março de 2017, às 4h da manhã, os primeiros tratores surgiam na ocupação chamada “Comunidade Maravilhosinha”, localizada no Cidade Maravilhosa, loteamento do bairro Zabelê, em Vitória da Conquista – BA. Sem decisão judicial e sem diálogo efetivo com os moradores, a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista (PMVC) autorizou a derrubada de cerca de cem barracos, desalojando diversas famílias, sob alegação de estar a Comunidade Maravilhosinha em uma área de proteção ambiental. Do modo similar, a ocupação “Cidade Bonita” sofreu tentativa de despejo por parte da PMVC, no dia 25 de março. Leia a íntegra.

A cidade com fundamento no Direito Ambiental e Direito Urbanístico, na medida em que o ordenamento racional do espaço urbano não pode dissociar-se da proteção ambiental. As normas urbanísticas e ambientais mantêm entre si estreito relacionamento com o intuito de garantir a qualidade de vida dos habitantes da cidade diante dos impactos ao meio ambiente e crescimento dos adensamentos urbanos. Compreendida por muitos como o oposto do campo, da natureza e da simplicidade, a cidade necessariamente não se opõe ao meio ambiente, na medida em que o espaço urbano é constituído pelo ambiente construído e pelo ambiente natural. Neste sentido, partindo do princípio de que a cidade pertence a todos os seus habitantes, a primeira dimensão do Direito à Cidade se refere à possibilidade de permanência nos seus espaços, ou seja, a possibilidade de garantir para si uma parcela da cidade.

Os casos das ocupações Comunidade Maravilhosinha e Cidade Bonita apontam para uma questão histórica da necessidade de preservação ambiental das APPs (Mata ciliar, restinga, mangue etc), Unidades de Conservação (Parques, Reserva de Biodiversidade, APAs etc) e uma intensa litigiosidade em que estão presentes os interesses das comunidades que estão na posse de moradia e o interesse de toda coletividade de manter a preservação ambiental. De um lado, o executivo municipal prega incondicionalmente a necessidade da intocabilidade de determinados ecossistemas. De outro, movimentos sociais pela terra procuram equacionar o problema habitacional de maneira a não aguçar o déficit habitacional.

A Serra do Periperi, em Vitória da Conquista, vem sendo ocupada há mais de 60 (sessenta) anos, desde a construção da BR-116, para moradia, através de ocupações e loteamentos irregulares e pela exploração de seus recursos naturais utilizados na construção civil, como areia, cascalho, saibro, pedra e madeira.

Em 1999, com a finalidade de conter o avanço da urbanização em direção à Serra do Periperi, o Município de Vitória da Conquista criou o Parque Municipal da Serra do Periperi, por meio do Decreto Municipal n° 9.480/99. No entanto, passados mais de 18 (dezoito) anos da criação da mencionada Unidade de Conservação, o Município não publicou seu Plano de Manejo e sequer realizou o zoneamento da área de proteção ambiental. Tanto é verdade, que em 30 (trinta) de agosto de 2017 foi homologado Termo de Ajuste de Conduta, nos autos da Ação Civil Pública entre o Ministério Público Estado da Bahia e o Município de Vitória da Conquista, em que este se compromete, dentre outras coisas, realizar: “Cercamento ou demarcação da área total do Parque, mediante cravação de piquetes de madeira ou marcos de concreto, com distância máxima de 2 (dois) metros entre cada marco, salvo se os estudos topográficos recomendarem outro distanciamento […].”

Ocorre que, mesmo sem proceder à elaboração do Plano de Manejo e do zoneamento do Parque Municipal da Serra do Periperi, que deveria organizá-lo espacialmente em zonas, sob diferentes graus de proteção e regras de uso e após promover desocupação compulsória por via administrativa, eivada de ilegalidades, o Município de Vitória da Conquista ajuizou Ação de Reintegração de Posse em face de centenas de famílias que residem em área, que supostamente integraria a Unidade de Conservação Municipal.

A PMVC alega que estas famílias residem no local há apenas 08 (oito) meses, argumentação que não se sustenta, haja vista que esta área já é ocupada há cerca de 04 (quatro) anos, fato comprovável mediante testemunho de moradores da região, comerciantes locais, policiais da Base de Segurança Comunitária e professores da Escola Municipal Dr. Elder Tomas.

Sublinha-se que, desde o início das ocupações da mencionada área, não havia qualquer tipo de demarcação ou cobertura vegetal que evidenciasse se tratar de área de proteção ambiental.

O documento intitulado Relatório da Ocupação Irregular no Novo Cidade 2ª Etapa – Monitoramento realizado nos dias 05, 06 e 09 de Janeiro de 2017 da PMVC, gera ainda mais controvérsia com relação à alegação de que a área ocupada por estas famílias trata-se de área de preservação ambiental, pois observando-se com atenção as imagens aéreas feitas por plataforma não oficial, constantes do relatório, nota-se que a área da ocupação, é cercada por outras construções, situando-se, inclusive a poucos mais de 100 (cem) metros da Base Comunitárias da Polícia Militar, do Posto de Saúde da Família do Bairro Nova Cidade e de condomínio de moradia.

Apesar da inconsistência do pedido, o juízo de primeiro grau deferiu a liminar de reintegração de posse requerida pelo autor, determinando que os ocupantes removam, imediatamente, as cercas, tapumes e casebres que construíram no local, no prazo desproporcional de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de remoção compulsória, além de fixar multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia, em caso de desobediência.

Essas ocupações, assentamentos irregulares, “marginais”, em áreas de preservação também são fruto do processo de exclusão territorial e pilhagem ambiental em face do modelo capitalista. A forma devastadora de apropriação da terra, do espaço “natural”, caminha paralelamente à ilegalidade das propriedades, e esse casamento tem sido o principal agente de segregação socioambiental nas cidades. Conclui-se, assim, que a ocupação de áreas inadequadas ou ambientalmente frágeis, como Parques, APAs e APPs, pela população pobre, é apenas mais uma das consequências desse processo que tem no mercado privado um agente central.

O Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa (NAJA), extensão universitária vinculada à PROEX/UESB, assessora os ocupantes por compreender que uma reintegração de posse com autorização de força policial é sempre traumática e é preciso esgotar todas as formas de conciliação.

“NOS BARRACOS DA CIDADE”: A LUTA DAS OCUPAÇÕES ‘CIDADE BONITA’ E ‘COMUNIDADE MARAVILHOSINHA’ PELO DIREITO À MORADIA ADEQUADA EM VITÓRIA DA CONQUISTA

 


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