Causos de Advogado: Importância da informação

Foto: BLOG DO ANDERSON

Gustavo de Magalhães | Advogado | [email protected]

Quando comecei a advogar, no século passado, usava ainda a famosa pasta de couro, com alça de mão, dentro da qual carregava petições datilografadas na maquina Olivetti, e um monte de coisas do inicio da profissão, como carteira vermelha da OAB, que parecia um passaporte, canetas dadas pelo desempenho recente de começar a advogar e ate um vade mecum, para consulta. Leia a íntegra.

O que? Você que esta lendo não sabe o que é maquina de datilografar Olivetti? Que diabos é vade mecum para consulta? Digamos assim, que maquina de datilografar, é um teclado de computador sem a tecla delete,  e o vade não sei o que, é um Google portátil, em folhas, para os advogados!

O sucesso naquela época era, efetivamente, ter sua pasta cheia de documentos, folhas, agenda jurídica (que vinha com dicas para advogados recém formados na contracapa, enfim, era o escritório ambulante.

A máquina Olivetti seria o mesmo nível de um computador Mac, ou aquele outro da maçã. Tinha vários modelos, como hoje em dia, só que a diferença é que o modelo anterior não ficava defasado. Também a letra, ou fonte, tinha apenas duas versões: minúsculo e maiúsculo!

Uma audiência no fórum, datilografada numa maquina, imaginem vocês, levava horas! Imaginem mais ainda, aquele barulhinho da maquina, tec tec tec tectec, aliados ao barulho ensurdecedor do aparelho de ar condicionado, quando se tinha, ou o ventilador do teto, após o almoço, em uma audiência de separação, com seis testemunhas, um juiz sem pressa, advogados encrenqueiros e um escrivão ou secretario de audiência catador de milho, lerdo!

O resultado era atas, registros, com centenas de “digo”, pois como não tinha como apagar o que se escrevia, colocava-se vírgulas, e a expressão acima, para dizer que houve erro. Mas quando o digo não dava mais para ser utilizado, por esta longe do erro, poderia ser utilizada a salvadora errata, que era a expressão corregedora de todos os erros do mundo!

Maquina de datilografar, era a continuação do corpo do advogado, sendo famoso aquele colega de Ilhéus, que nem está mais entre nós, pegava sua Olivetti e usava a tapa do porta-malas de seu carro como mesa, e em pé mesmo fazia suas peças, datilografava as petições. Datilografia rápida então implicava em cursos de sete anos, estudos, etc.

Já o tal vade, era um livrinho grossinho, que no caso dos recém formados advogados calça curta, como diriam os antigos, era a salvação. Eram ótimos os comentados, pois tinham as dicas, mas bom mesmo era para colocar em cima da mesa, ou em cima do porta-malas do carro, e atender o cliente.

Eu no calçadão da Terra de Gabriela, calor insuportável, com aquela umidade ilheense, acabara de chover, num dia de verão. Pesava ainda pouco mais de cento e cinqüenta quilos, coisa pouca, e levava comigo uma marca, que ate hoje me acompanha, de quando eu jogava basquete. Sim, eu jogava, e qualquer hora conto isso.

Trata-se de uma torção no tornozelo, que, em virtude da relação de equilíbrio, como meus pés, que são pequenos demais, quarenta, para o corpanzil de dez arrobas, me faz torcer com facilidade, e mais ainda quando pisaram no meu pé numa luta pela bola de basquete, há alguns anos.

Naquele dia minha pastinha de couro, certamente herdada de algum parente, pois ainda não ganhava o bastante para comprar uma, estava abarrotada de petições, minhas companhias diárias, e de um vade não sei o que, novinho, orgulho total então. Caminhava sem perceber que a armadilha esta a minha espera, um buraco na calçada, junto com a grade que permita o escoamento de água, e eu nem usava óculos, e nem na época éramos escravos de celular, digitando mensagens.

Foi a conta! Meu pezinho torceu, entrou de lado no buraco, jogou meu corpanzil para o lado contrario, para tentar me equilibrar, por instinto, o que fez minha pasta ser arremessada para o alto e para bem longe, e quedando no chão, abrindo o fecho de pressão e esparramando minhas petições queridas por todo o lado, molhado, melado e enlameado, e pior, o meu ancestral de Google novo, que nem tinha consultado ainda, foi parar bem longe, e como a teoria que o pão com manteiga só cai virado para baixo no chão, ele caiu numa poça cheia de água, pois São Pedro não tem pena de cidades de beira de praia!

Minha agonia tão grande, tentando levantar, com o pé ainda preso, era para resgatar o meu livrinho, e as petições que já serviam de piso para os demais transeuntes, que não eram poucos naquela hora.

Mas, o magro quando cai no chão, é motivo de comoção nacional, e apareceriam então diversos bons samaritanos dispostos a salvar a todos, caído, papeis e vade não sei o que.

Gordo não! Caindo ou caído, rapidamente vira alvo do escárnio, da risadaria geral, da pilhéria, e ninguém ajuda o pobre espatifado La no chão de lama, sem antes comentar qualquer bobagem. Até um que não me fez esquecer jamais, que a me ver no chão tentando me soerguer, pra ajudar meus pertences a não virarem lama, grita aos demais, “não encosta não, deve ser ataque de pilpsia, e já vai começar a babar e isso pega!”

Esforço total me rastejo no chão, melando minha calça, única filha a época, e o paletó adquirido do colega gordo que não queria mais, e levanto mancando, dor insuportável, no âmago pior ainda, e cato minhas coisas, e vejo que meu vade não sei o que ficou degradê e com mapas nas folhas, mas, enfim, salvas.

Errata: onde se lê vade qualquer coisa, leia-se vade mecum, e onde você leu pilepsia, continue lendo, porque mesmo sabendo que o certo é epilepsia e que não pega, aquele animal só poderia ser um burro, sem querer ofender aos queridos animas de quatro patas!

Gustavo de Magalhães, advogado, DJ e contador de causo [email protected], whatsapp 77991982859


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