Jeremias Macário: O Profano, o Religioso e o Político

Foto: BLOG DO ANDERSON

Jeremias Macário | Jornalista | [email protected]

Passado o carnaval, o quê será dos “pipocas” que tiveram uma vez em Salvador, que não é a maior festa de rua do planeta? Os donos do espetáculo encheram seus bolsos e a miudagem dos trabalhadores e ambulantes ficaram com as migalhas. Aqui na Bahia, principalmente, o ano novo só começa se arrastando no dia 6 de março com feriadões e tudo. Os governantes, por sua vez, batem o pé firme de que a muvuca rendeu bilhões para a economia e gerou milhares de empregos, mas não revelam o rombo dos bilhões que o comércio e a indústria deixaram de faturar pelo tempo em que suas atividades e produções ficaram paradas no país do caos político, moral e ético, onde a produtividade é a pior do mundo. >|>|>|>|

A mídia fez sua tietagem e rasgos de elogios, bem distante dos questionamentos e críticas. O Congresso Nacional, que gasta mais de 10 bilhões de reais por ano do nosso dinheiro, ficou quase duas semanas sem trabalhar. Pelo menos os caras-de-pau não apareceram para nos tripudiar com seus projetos conservadores e fascistas de blindagem dos seus comparsas. Nisso, foi um alívio e um refresco à raiva. O Judiciário, intocável em seus privilégios, deixou de atender milhões e os processos se avolumaram mais ainda. Lá fora, as masmorras medievais torturam, matam e esquartejam, impiedosamente.

Depois de colocarem seus fantasmas e monstros pra fora durante os festejos momescos das orgias e surubas, as ilusões se vão e os bichos voltam novamente com mais disposição e força para perturbar e atanazar as consciências existenciais. Pelo menos a embriaguez desencarnou por um tempo essa coisa chata de sentido da vida. Os pobres ficaram mais pobres e os endividados mais ressacados. A felicidade passageira deu um adeus, mas no próximo ano ela volta. Tudo é bom enquanto dura.

O profano se misturou ao religioso e ao político inconsciente e modal como na fábula da raposa e da cegonha de La Fontaine, não importando que o contraditório e o paradoxal se cruzassem nas manifestações dos blocos, trios, afoxés, frevos, pipocas, escolas de samba e camarotes. De um lado as mulheres com seus bumbuns de fora e seus rebolados sensuais. Do outro o apelo ao empoderamento, que não se sabe de quem.

A patrulha do politicamente correto esteve sempre mais de olho nos protagonistas e brincantes do que a própria polícia. Muitos seguiram a cartilha só para ficarem bem na fita. Outros meteram o pé na jaca mesmo, como o Igor Kannário, o príncipe do gueto, que colocou um julgado por estupro em sua banda vocal e defendeu o empoderamento da mulher. Não se conteve e chamou companheiros vereadores de turma da quadrilha que só quer se dar bem. O pior é que muita coisa é verdade. Na fuzarca teve também músicas que depreciaram as mulheres e mesmo assim foram aplaudidas por elas no embalo do tira o pé do chão.

Condenaram a banda BaianaSystem por ter arrastado o “Fora Temer”, mas endeusaram e aplaudiram a Baby Consuelo que misturou música gospel e profano em seu canto e ainda fez pregação religiosa. Rolou até fanatismo.

Sem censura, os artistas agradeceram seus cachês ao prefeito e ao governador e ainda fizeram propaganda política de seus mandatos quando tudo é pago pelo povo. Os “pipocas” ficaram encantados e extasiados com suas performances, pernas e músculos marombados de fora. Muitos beijos, transas, doenças e depois os pesadelos. A mulher poderosa se envaidece de que pegou todos.

A saúde e o policiamento funcionaram bem para os foliões, mas depois tudo volta ao normal, isto é, aos choros e ranges de dentes para se obter um atendimento nos postos, hospitais e delegacias. Na Mudança do Garcia deu favor e contra a Lula, Dilma, o mordomo Temer, o bloco político dos descarados e até pedido da volta da ditadura militar para colocar “ordem na casa” e acabar com a corrupção.

Vamos apreciar algumas tiradas da “Mudança”, como “Aposentadoria ou Auxílio Funeral?”, “Fora Temer e Diretas Já”, “Troco Meu Salário pelo Auxílio-Moradia dos Juízes”, “Oxente, Governador, Cadê o Reajuste do Servidor?”, “Otário, Coxinha, Caiu no Conto da Carochinha”, “O PMDB é a Grande Rainha dos Ratos” e “Em Terra de Propina Quem Delata “Errei”. Um cara com cartaz pediu a intervenção militar e outro associou Lula e Dilma a propinas e à Operação Lava Jato.

Com intuito de grandiosidade, no Rio de Janeiro as escolas de samba deixaram mais de 30 acidentados pelos carros alegóricos e várias pessoas com ferimentos graves. Somente agora o Corpo de Bombeiros e o Ministério Público vão exigir vistorias por questão de segurança, como acontece com tudo que é ruim no Brasil. No final da história, ninguém será responsabilizado.

O tom da conversa inicial foi de que as estruturas tiveram a assinatura de engenheiros. Agora, os presidentes e membros das escolas estão colocando a culpa em São Pedro que mandou chover na hora dos desfiles. No fim, os “engenheiros” que assinaram e liberaram, sem acompanhar e inspecionar os pesados veículos, na base do faz de conta, ficam impunes e tudo termina em samba.

Nas arquibancadas do Sambódromo, “fieis” rezam com o terço na mão pedindo para Deus, à Virgem Maria, a Cristo e a todos os santos que sua agremiação seja a campeã, na mistura sem pejo do profano, do religioso e do politicamente incorreto. A vibração é geral e a galera toda cai no samba. As imagens comovem toda nação dos falsos ídolos, heróis, heroínas, reis e rainhas, sem educação e cultura.

Gostaria só de indagar quem paga a conta deste circo sem pão que promete sonhos e falsas alegrias quando se sabe que logo depois o povo será tangido como gado para seus currais das desigualdades sociais? Enquanto isso, vamos tocando nossa vidinha pacata e violenta de escândalos, de alienação, submissão e acertando as contas com o Leão.

As castas superiores retornam aos seus gastos e mordomias satisfeitas da vida que levam, e ainda curtem com nossas caras meladas pelo suor dos asfaltos calorentos e sujos, sem direito às fantasias dos pierrôs e colombinas. Para o ano tem mais circo e alegorias, profano e religioso no país das injustiças sociais.


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