Jeremias Macário: A Tarde e os impressos na Bahia

Foto: BLOG DO ANDERSON

Bons tempos quando o centenário jornal “A Tarde” era um dos maiores do Norte e Nordeste e líder absoluto na capital baiana em termos de circulação e preferência dos leitores.  Entre as décadas de 60, 70 e 80 Salvador contava com grandes impressos como Diário de Notícias, Jornal da Bahia, Tribuna da Bahia e, posteriormente, o Correio, sem contar pequenos semanários especializados que fechavam o círculo da informação nas áreas de esportes, política, economia, entretenimento, literatura, ciência, educação e cultura em geral. Leia a íntegra.

Com grandes profissionais, esta foi praticamente a época de ouro do jornalismo baiano, juntando os velhos provisionados, no modo de dizer, com os novos saídos da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, da qual fui aluno e me formei.

Os “focas” aprendendo com os experientes e vice-versa. Um bom time de jornalistas bem reforçado. Não se trata simplesmente de saudosismo, mas a disputa era tão acirrada que o A Tarde foi obrigado a passar de vespertino para matutino para não perder espaço no mercado para os outros.

E isso eu estou falando dos meus tempos quando ingressei no jornal A Tarde em 1973 como revisor. Nem se sonhava com a internet. Comandavam nas redações as máquinas de datilografia, o telefoto, o fotolito e a impressão a quente do teletipo.

Sem muitos recursos técnicos, os impressos caprichavam no conteúdo e na fidelidade da notícia. Hoje se tem muita tecnologia e os impressos pecam na qualidade de suas reportagens. A Tarde reinava na capital e no interior, tanto que se dizia que só nele a informação virava verdade, mas os outros chegavam perto na concorrência.

No interior do estado, a mídia impressa, pejorativamente chamada de “caipira”, também era destaque nos principais centros como Vitória da Conquista que hoje, infelizmente, não tem um diário, Juazeiro, Feira de Santana e Itabuna que ainda mantém seus diários e Ilhéus. Grandes jornais em Conquista, por exemplo, entraram para a história, como O Conquistense, A Palavra, A Conquista, O Avante, O Combate, o Sertanejo, entre outros.

Como o foco é o “A Tarde” onde atuei por 34 anos, lembro muito bem dos anos 70, 80 e 90 quando a direção da empresa, sob o comando do saudoso administrador Arthur D´Almeida Couto e Jorge Calmon (Jornalismo) fortaleceram o jornal no interior através da estruturação das suas sucursais. Criaram até o slogan: “O Jornal do Interior.”

Com a morte de Arthur Couto no início dos anos 90 houve um enfraquecimento, mas a política de interiorização se manteve, inclusive com a expansão do “Caderno dos Municípios.” Antes as notícias do interior eram divulgadas em páginas diárias. No entanto, muitos fatos importantes chegavam a ser manchetes de 1ª, 2ª, e 3ª, páginas.

Neste período o “A Tarde” tinha uma tiragem entre 400 a 500 mil exemplares nos dias de semana e até um milhão aos domingos, mesmo assim, considerada pequena para o tamanho da população do estado, mais de 12 milhões de habitantes.

Aqui em Conquista, na década de 90, (assumi a chefia da sucursal em 1991) chegávamos a comercializar entre assinaturas e vendas avulsas mil jornais. Hoje não passa de 100 exemplares ao todo, e o periódico chega na cidade no final da tarde e, muitas vezes, nem vem.

Converso com pessoas nas ruas e nas bancas de revistas, aliás, estas não chegam a quatro – sinais da decadência da nossa cultura que tem apenas uma livraria na terceira maior cidade baiana – e vejo estampado em seus rostos a decepção pelo “sumiço” do diário. A pergunta é sempre, o quê aconteceu?
O A Tarde começou a se distanciar do interior a partir dos anos 2000 com o esvaziamento das sucursais, agravando mais ainda a situação com o fim do “Caderno dos Municípios”, decretado pelo senhor todo poderoso Ricardo Noblat, contratado a peso de ouro pela empresa, e que desmantelou outros suplementos que davam mais suporte e credibilidade ao jornal.

A grande maioria dos bons profissionais foi demitida e o jornal foi definhando, principalmente no interior, com o fim total das sucursais há dez anos. Os serviços de distribuição foram precariamente terceirizados.

Aqui em Conquista, por exemplo, ficou por conta de Inês Galvão que vinha com muito sacrifício mantendo 100 assinaturas e vendendo cerca de 30 jornais por dia nas bancas. Recentemente, cortaram sem avisar a sua concessão e os jornais sumiram, temporariamente, das bancas e só agora voltando aos poucos. O mesmo aconteceu em Juazeiro onde estive há pouco e conversei com o único jornaleiro da cidade. “Nos bons tempos, construí casa e sustentei minha família com as vendas do jornal A Tarde” Uma falta de consideração para os colaboradores e leitores em geral que sempre deram credibilidade e acompanharam o jornal.

OS IMPRESSOS NA BAHIA

Sobre a questão, veja a observação do meu amigo e companheiro jornalista Carlos Gonzalez que também atuou comigo no jornal A Tarde. “Em conversa com o dono da banca de jornais da av. Olívia Flores fui informado que no passado ele chegava a vender 100 exemplares de “A Tarde” aos domingos, mesmo tendo um concorrente a poucos metros. Nos últimos anos ele se dava por satisfeito quando vendia dois exemplares”.

Por toda situação de desprestígio que estão atravessando os impressos na Bahia e no Brasil em geral, Gonzalez aponta como fatores a internet, a televisão, jornalistas mal preparados pelas faculdades, falta de acompanhamento de fatos relevantes e jornais dirigidos por empresários que só visam o lucro fácil através de verbas publicitárias oficiais.

Gonzalez lembra que há cerca de dez anos AT tirava um milhão de exemplares aos domingos, Hoje, o Correio, que ultrapassou em tiragem “o vetusto vespertino da praça Castro Alves”, revela que tira 400 mil exemplares, 40% a mais do “jornal B”, onde tínhamos orgulho de trabalhar.
No meado de julho o veículo fundado por ACM abriu inquérito no Ministério Público Estadual se queixando de que o governo do estado está boicotando a liberação de verbas publicitárias para o Correio, não fazendo uma distribuição correta como deve entre os órgãos de comunicação. A Secretaria de Comunicação do Estado foi notificada pela instituição para prestar esclarecimentos. O caso também está sendo analisado pelo Tribunal de Contas do Estado.
De acordo com apuração feita pelo jornalista Gonzalez, o Correio é o veículo impresso de maior circulação no estado, segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC). É o líder em circulação na Bahia e no Nordeste, com média diária de 44.229 exemplares em maio, 43% maior que o segundo colocado, conforme o IVC. O site do jornal, o correio24horas.com.br, é o de maior audiência da Bahia e do Nordeste. Porém, o jornal não foi contemplado com anúncios publicitários da administração estadual.
No final de julho, por exemplo, anúncios sobre o programa Partiu Estágio e sobre a Campus Party foram publicados em outros jornais, mas não no Correio. Na última semana, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou uma nota de repúdio informando que desde o ano passado a publicidade foi reduzida drasticamente no jornal.
Em entrevista, o governador Rui Costa (PT) disse desconhecer os cortes e afirmou que todos os veículos de comunicação do estado recebem verbas do governo, “sejam elas da administração direta ou indireta, sem exceções. Os editais são publicados em todos os meios de comunicação e os anúncios também”.
Nós não podemos esquecer que a campanha “não deixe essa chama se apagar” criada pelo Jornal da Bahia na década de 90 não vingou. Foi mais uma truculência de ACM, que por pouco não atingiu AT, que ficou sem as verbas do estado e da prefeitura por muito tempo.

“Lembrei-me de mais dois episódios envolvendo ACM e a imprensa: a apreensão dos exemplares de “Veja”, que exibia na capa o escândalo da pasta cor de rosa, e a proibição dada às bancas e livrarias, em 2001, de vender o livro “Memórias das Trevas”, do jornalista João Carlos Teixeira Gomes (Joca), que revela, entre outras malvadezas de ACM, o “empastelamento” do Jornal da Bahia”.

Para Gonzalez, nosso povo ressente de falta de cultura. “Nos três anos e meio que estou em Conquista nunca vi alguém com um jornal nas mãos. Uma única rua de Buenos Aires, a Florida, tem mais livrarias do que todo a Bahia. Nas minhas andanças pela Espanha, Portugal e Inglaterra, observava que no interior do transporte coletivo quase todos os passageiros estavam se dedicando à leitura de jornais e livros. Nas estações do metrô de Londres um tabloide é oferecido gratuitamente aos passageiros”.


Uma Resposta para “Jeremias Macário: A Tarde e os impressos na Bahia”

  1. Jairo Gomes

    Não é a toa que somos um país de terceiro mundo.

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