Uma croniquinha em dia de breque fráid e Uber faltoso

Fotos: Giorlando Lima

Giorlando Lima*

O taxista – sim, não achei Uber hoje à tarde, de novo – comentou que o trânsito estava horrível. “Gastei 17 minutos da praça do Gil até a Lauro de Freitas”, lamentou e apresentou logo o culpado: esse Beque Fáidêi. Mas, logo aliviou a queixa, para afirmar que o grande movimento do comércio estava ajudando no negócio dele. Aproveitei a deixa do Beque Fáidêi para perguntar porque a cooperativa à qual ele era associado não aproveitou o evento promocional para oferecer um desconto, considerando que havia um concorrente novo no mercado e seria bom marcar posicionamento. “A gente já está rodando com bandeira 1 nas 24 horas do dia e negocia desconto se o passageiro pedir”, explicou o simpático taxista, finalizando com uma pergunta: “Mas, o senhor já viu esse ubi por aí?”.

Eu não vira. A corrida ficou em R$ 8,50. Praça do Gil até a avenida Lauro de Freitas. Fiquei pensado quanto teria sido de Uber. Talvez R$ 4,00? Quá.

Se transitar de carro no centro da cidade, passando pela Siqueira Campos, estava um sufoco (sob um calor de 28 graus, que nos obrigava a andar com os vidros abertos, porque o ar condicionado do táxi não funcionava – ponto para o Uber! -, tendo que aguentar o cheiro de merda proveniente de um esgoto quebrado na rua 13 de Maio, que a Embasa deixou correr por 24 horas), não foi mais agradável caminhar pelas calçadas desalinhadas e malconservada da Lauro de Freitas em dia de Black Friday. As lojas das grandes redes estavam lotadas e em algumas havia fila e disputa por alguns produtos. Passei por um locutor que dizia para o amigo: “Só sei dizer breque fráid” e então tascava, para todo mundo ouvir: “Entra e leva um tapete, aproveita que é breque fráid”. Leia a íntegra.

Era muita gente naquela Lauro de Freitas. Fiz fotos e mostro para provar que não estou inventando. E andei na direção da Francisco Santos. Quis ver se a invenção comercial dos americanos levara seus efeitos também para aquela artéria. Achei que sim e registrei com uma fotografia da fila de carros. Se eu filmasse, o leitor ouviria o som da impaciência dos motoristas, com buzinadas desagradáveis. Suando como um camelo, segui pela praça 9 de Novembro, onde o prefeito Herzem Gusmão mandou trocar o piso, numa obra que parece já estar completando meio século. O espaço exíguo deixado para a movimentação dos pedestres dava lugar a uma fila de gente. Fiquei imaginando como estava aquele lugar e todo o centro comercial pela manhã, quando as lojas abriram com suas promoções impactantes. Já eram três horas da tarde.

Na Alameda Ramiro Santos, quando eu já estava desistindo de fazer fotos, me chamou a atenção que uma loja de produtos populares, já bem baratos, anunciava promoção com descontos altos. Mas, diferente das lojas das grandes redes, que escancararam suas portas para os consumidores entrarem facilmente e saírem carregando, além de celulares, pranchas de alisamento de cabelo e sanduicheiras, também colchões, geladeiras e aparelhos de TV de muitas polegadas, o Atacadão da China deixara apenas uma portinhola, que obrigava as pessoas a entrarem agachadas e a sairem com sacrifício ainda maior se o produto adquirido fosse grande.

Quando, finalmente, cheguei ao Bar de Paulinho, onde escrevo esta crônica, voltei a pensar no taxista e seu sonoro Beque Fáidêi. Fora o ar condicionado, que quebrara, havia atributos para que eu continue a usar o seu serviço: motorista bem-educado, carro limpo, uma bala de hortelã e fidelidade ao trajeto. Mas, bem que poderiam pensar em baixar o preço. Se até o Atacadão da China fez isso, vendendo mais barato o produto já barato, por que não os táxis? A evolução dos tempos, a exigência dos consumidores e as pressões do capitalismo – neste caso atendendo pelo nome de Uber -, estão sempre a pedir inflexões. É preciso ampliar a porta de entrada, antes de reduzi-la. Afinal, nem todo mundo é o chinês da lojona vermelha da alameda.

P.S.: De passagem, comemorei a resistência dos artesãos, chamados de hippies da praça, que estão lá ainda, organizados, vendendo sua arte e valorizando a sua dignidade sem interferir na de ninguém.

 

*Giorlando Lima é jornalista, editor da Revista Conexão e do Blog de Giorlando Lima e estudante de Direito (ah, e prefere buzu e metrô a Uber).


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