Academia do Papo: uma crítica contumaz à classe média pela aquiescência à imbecilização da Política Brasileira

Foto: BLOG DO ANDERSON

Herberson Sonkha

O professor Paulo Pires me fez lembrar-se da leitura que fiz há mais de duas décadas do livro de Zuenir Ventura, “1968: o Ano Que não Terminou”. Recordo-me do trecho narrado no dialogo revelador que se passa num iate luxuoso encorado próximo da costa marítimar para festeja a virada do ano novo (1968?) na praia de Copacabana , no Rio de janeiro. O dialogo acontece entre personagens com perfil de gente rica, consciente de sua classe social dominante numa situação de apoio incondicional ao sinistro do Ato Institucional numero cinco – AI-5. Uma conjuntura autorizou a linha dura das Forças Armadas autorizar milicos matar, prender e tortura sem ter que dar quaisquer explicações de seus atos de desumanidade à sociedade e/ou aos órgãos internacionais de Direitos Humanos. Leia a íntegra.

Exatamente por isso está tomado por uma verve conservadora que releva de forma genial o comportamento vacilante e proxeneta da classe media brasileira. Essa gente sempre acha que o maior problema do Brasil é a corrupção dos outros (que não seja de direita ou extrema-direita) e, exatamente por isso encontrou canalhamente a brecha que faltava para negociar a alma com os seguidores de jezuiz as vantagens necessárias para a sua classe social ascender socioeconômica e politicamente.

Acordo firmado e a classe média embarcou deslumbrada numa noite de verão de 31 de março de 1964… Acordou aturdida com os milicos verde-amarelo na sarjeta da historia implorando desavergonhadamente aos milicos de merda a devolução do comando político do país, já que a “revolução” havia acabado com a farra dos comunas e a corrupção no governo do “comunista” João Goulart. Agora imagine a estultícia dessa gente meu caro professor Paulo Pires que gritava aos berros que João Goulart era um comuna. Isso mesmo! Um comunista!

O filósofo do direito Alysson Mascaro em palestra intitulada “Poder judiciário e acumulação de capital” no seminário Democracia em colapso? realizado e transmitido pela TV Boitemp, cita apud o economista marxista Eginardo Pires que dizia que “não importa a qualidade de um argumento para fazer ideologia, pois ideologia se faz com quem tem a maior quantidade de aparelhos ideológicos” que são os aqueles conservadores nada menos que os latifundiários, os industriais e os rentistas do setor de serviço.

Portanto, Mascaro vai nos mostrar que a ideologia no Brasil é aquela de quem detém todos os aparelhos ideológicos e não é por acaso que mais da metade da população pobre vota em gente rica, racista, machista, misógina, fóbica e corrupta como se estivesse votando corretamente por se tratar de alguém acima de qualquer suspeição. Mesmo sendo gente que pertence e tem consciência que fazem parte do grupo social radicalmente contrário aos seus interesses socioeconômicos e político.

Portanto, a maquinaria estatal e as empresas sempre estiveram a serviço das instituições que reproduzem o capital. Logo a ideologia em reprodução desde sempre é a que serve aos interesses das classes dominantes, que Jessé Souza classifica sociologicamente de elite atrasada. Então, a esquerda será para todo sempre ruim e peremptoriamente corrupta. Nesse sentido, qualquer governo minimamente fora da bolha será clivado pela pecha corrupção ao menor aceno de um governo que mostra minimamente qualquer disposição para discutir a pauta da classe trabalhadora ou das populações subalternizadas. Quando o professor Paulo Pires restabelece coerentemente com a história recente desse país a memória para analisar o aspecto sociopolítico daquele espaço-tempo especifico (junho 2013) em referencia ao fato histórico chamado de Jornada de junho, o faz para explicar o que houve de ruptura num espaço curto de tempo menor que 10 anos.

Para certos fenômenos socioeconômicos é necessário um recorte de tempo muitas vezes maior que uma década, sob o risco de não dar conta de circunscrever, destrinchar, analisar e explicar adequadamente os elementos estruturantes daquele fenômeno. A habilidade e domínio do instrumental teórico utilizado pelo Professor Paulo Pires dispensa minimamente essas exigências definida pelo método de observação empírica da cultura acadêmica, pela intimidade com o objeto de analise que a política brasileira.

Por isso ele reconstitui o trajeto e os elementos que constituem as narrativas que move mentes e corações por detrás do pensamento mediano brasileiro, alicerçante (ou pelos menos predominante) das estruturas que organiza o pensamento de seno comum daquela determinada sociedade, tal fizeram até a deposição ilegítima de uma Presidente eleita dentro das regras constitucionais (sem nenhuma suspeição de possível corrupção) que instituem o jogo político da democracia brasileira.

Aqui temos uma construção solida que nos remete as sucessivas investidas desses agentes econômicos (banqueiros, industriais e o empresariado do agronegócio internacional) que determinam o movimento real da sociedade civil na relação direta com as estruturas de mercado, os agentes da política institucional que garantem a funcionalidade das estruturas de mercado de capitais nacional e internacional.

Na analise do professor Paulo Pires ele pondera sobre o cenário, os sujeitos e o constructo mental que forja o golpe para frear um ciclo de avanços sociais, impondo um gap na modulação econômica regulada pelo Estado, na modulação da política institucional exercida por dois governos de coalizão centro-esquerda liderada por Lula e Dilma. No que pese a crítica mais a esquerda aos limites, esgarçamento e a hibridez desse modelo liberal de políticas de bem estar social, não tem como negar os avanços na base da pirâmide formada basicamente pelos pobres (trabalhadores e desempregados) e na própria economia nacional que aqueceu seu fluxo de renda, bens de capital e tecnologias mesmo que seja com ressalvas em função da natureza teórica e funcional desse modelo.

Independente das críticas pontuais feitas corretamente a essa logica equivocada de governar para todos com conciliação de classes historicamente antípodas, a meu ver não buscou efetivamente radicalizar a democracia e nem criou mecanismos de superação da governança hibrida pensada por uma esquerda positivista.

Além disso, manteve-se inalterável mesmo que na corda bamba a política de austeridade fiscal neoliberal. Faço vênia ao professor Paulo Pires para insistir pontualmente na crítica à governabilidade despolitizante para poder administrar inexoravelmente o Estado na lógica faceira do liberal burguês, inclusive com um discurso destituído da historicidade crítica de que é perfeitamente conciliáveis os interesses de mercado com os interesses sociais.

Esse gap ultraliberal de verve extrema-direita perpetrado na linha do trem da história que nos conduzia a outro patamar nas relações entre sociedade, Estado e economia de mercado, nos arremessou ao mais absoluto “Brejo ou para o pântano da indigência nacional”, como bem adverte o professor.
Como o intelectual em tela tem acento nas ciências contábeis, compreendo que a sua inferência sobre o crescimento e a prosperidade, diz respeito aos indicadores da contabilidade pública que apresentam indicantes sociais de gestão pública crescente. Aqui se tem uma compreensão analítica dos números ascendente que mostra a tendência superavitária da economia do setor público.

É verdade que a balança comercial de 2014 deu sinais de queda, pois o Brasil está contido no conjunto mundial das transações comerciais transnacionalizadas numa conjuntura de crise mundial que se abate sobre o país na forma de déficit causado pela retração nas exportações de US$ 3,930 bilhões desde 2000. É fato que isso impactou negativamente levando a econômica interna a uma retração no produto interno bruto (PIB) consecutivamente por dois anos, causando uma forte recessão econômica.

Embora o mainstream econômico representado pelo Ministro da Fazenda á época, Henrique Meireles, tenha tecido elogios a eficiente política econômica do governo ao dizer que o país “saiu da maior recessão do século”. Aqui está uma das “razões” que justificou ao inicio da argumentação para desmoralizar o governo de Dilma Rousseff nas reeleições de 2014 e que virou tese golpista da deposição de uma mulher eleita legitimamente em 2016.

Seu governo foi acusado de não controlar a inflação, recessão e terceirização da corrupção. Observando a reação do mercado naquele perídio (2014), segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) registrou-se o preço de gás natural de cozinha de R$ 49,19 por botijão 13 quilos, a gasolina de R$ 2,99, Etanol R$ 1,794, diesel R$ 2,512 e toda a linha de produtos de sua cadeira derivativa. Se comparados aos preços que fecham o ano de 2016 é residual, exceto o gás natural de cozinha o aumento 16,39%.

Veja como ficaram esses preços em 2016: gás natural de cozinha R$ 55,60, gasolina R$ 3,755, o etanol R$ 2,844 e o diesel R$ 3,51. Agora compare com os preços atuais do gás natural de cozinha R$ 83,00, gasolina R$ 4,90, etanol R$ 3,625 e o diesel R$ 3,899.

Produto 2014 2016 2019
Gás Natural 13Kgs R$ 49,19 R$ 55,60 R$ 83,00
Gasolina R$ 2,99 R$ 3,755 R$ 4,90
Etanol R$ 1,794 R$ 2,844 R$ 3,625
Diesel R$ 2,512 R$ 3,51 R$ 3,899

Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)

O que se conclui desse gráfico é que houve uma tendência de crescimento relativamente uniforme de 75% dos itens observados variando entre R$ 0,70 e R$ 1,30. Exceto o gás natural de cozinha que a partir de 2016 sai de R$ 6,41 para 27,40 em 2019. Nos demais itens observados se repetem como padrão. Essa alta do gás natural se deve a crise internacional que também afeta a economia interna da Venezuela.

A razão da “revolta” induzida pelos interesses de uma determinada classe no poder há séculos que se sentia ameaçada com a possibilidade de ascensão das populações mantidas a ferro e fogo na desigual base do topo da pirâmide social. Os sucessivos investimentos sociais (transferência de renda, saúde, educação, transporte, demarcação e titulação de terras quilombolas e indígenas, mercado de trabalho para juventude, a proteção e promoção das populações em situação de riscos) daria consciência política a essa populações no sentido de questionar a sua condição “natural” dessa gente de ser detentora da produção, circulação e a apropriação privada desse capital.

Além de questionar e romper com esse discurso de predestinação de rico e pobre que calcifica a classe trabalhadora e as populações subalternizadas na pobreza, tornando-a referem dessa condição de eterna dependente do jogo da políticagem do pão e circo criado pelo coronelismo e seus acéfalos políticos fisiologistas herdada das tradicionais oligarquias brasileiras. Mantendo a logica perversa da miséria, da fome, do analfabetismo, das doenças desassistidas e a famigerada desigualdade social, econômica e politica no Brasil que gera “Coronelismo, enxada e voto” (Victor Nunes Leal) desde a era colonial até o inicio do século XXI.
Portanto, esse movimento parado no Brasil, articulado virtualmente pela classe média brasileira a partir de 2014 está longe da expectativa de ser um movimento político social consciente e crítico das estruturas opressoras de mercado e das instituições da sociedade civil nos moldes do Movimento do Custo de Vida (MCV) ou Movimento Contra a Carestia (MCC), considerado um movimento popular insurgente nos anos 1970 e 1980, que mobilizou milhares de pessoas com um conjunto de pauta de reivindicações contra a política econômica do regime militar.

Contudo, tem-se a partir de 2002 algo de inédito acontecendo no tecido social brasileiro que causou reboliços das estruturas carcomidas, corrompidas e viciados do Estado liberal burguês no Brasil. Isso vai ser percebido pelas elites do atraso com algo ruim, perigoso e prejudicial aos seus negócios de mercado e as relações espúrias de corrupção nas relações com o Estado.
Detentora de poder político e econômico, essas classes exerceram desde sempre o implacável poder de subjugar pessoas, oprimir, perseguir coercitivamente, intimidar através da instrumentalização do braço armado do Estado para exterminar juventudes negras, mulheres em silencio, omitindo os altos índices de feminicídio e assassinatos de lideranças sociais expressivas que ficam impunes, a exemplo de Chico Mendes, Dorothy Stang e mais recentemente Marielle Franco.

Nesse país, o olhar tenebroso dessa gente desencadeou uma reação odiosa, xenófoba, racista, misógina, multefóbica e de disseminação de ódio contra a classe trabalhadora e suas instituições em função da intervenção social por meio de financiamento com o dispêndio púbico para estimular demanda e, consequentemente o incremento no fluxo circular da renda das pessoas situadas pelos indicadores apresentados pelo recenseamento demográfico do IBGE de 2000 como abaixo da linda da pobreza.

Por isso parabenizo ao professor Paulo Pires pela belíssima composição textual crítica – creio que não seria diferente se fosse com a música. Principalmente, nesses tempos difíceis de governos de extrema direita que se intensifica as crises socioeconômicas e políticas que vem causando inúmeros retrocessos de direitos sociais da classe trabalhadora do setor público e privado.

Além do mais, tem crescido assustadoramente o extermínio da juventude negra, a partir do restabelecimento conivente de setores conservadores da sociedade que cultuam com níveis apavorante de labilidade o racismo (institucional, estrutural e religioso). Prospera a cultura infame da morte praticada desavergonhadamente contra as mulheres, mantendo impunimente o feminicídio. Essa gente se sente alheia à lei ao exercitarem livremente a intolerância religiosa, insinuando que o crime contra a humanidade vae a pena e, é exatamente por isso que essa gente horrenda comandando o extermínio das populações LGBT.

Por ultimo, a entrega desavergonhada a preço de banana da riqueza do Brasil (liquidação do patrimônio material e total destruição do patrimônio imaterial do povo brasileiro) em troca de migalhas, cargos e dinheiros. Por isso, que escrevo esse pequeno comentário porque temos gente desse calibre intelectual comprometida na academia, desenvolvendo papos retos dessa natureza é bastante salutar para a saúde da academia, aliás, restabelece níveis de consciência crítica mais elevada e infinitamente mais avançadas.

 

Herberson Sousa Silva

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