Nadjara Régis | quando o nome exclui: de gota a gota, a desigualdade de gênero

Foto: BLOG DO ANDERSON

Nadjara Régis
Mãe, advogada, mestra em direito,
ciclista, poeta, movida pela paixão.

No quarto semestre de 2020, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) solicitou ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a alteração da nomenclatura de nosso conselho profissional para Ordem da Advocacia do Brasil. No ofício remetido pelo IBDFAM, é destacado que “os órgãos representativos de outras profissões se identificam pela atividade profissional e não pelo sexo de seus membros”, e seguem como exemplos o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA). O IBDFAM destacou, no teor daquela comunicação oficial, que atualmente “mais de 50% dos inscritos na Ordem são mulheres e correspondem à parcela preponderante no exercício da profissão”. Afirmou que a diminuta presença de mulheres advogadas nos “órgãos diretivos dos Tribunais, Cortes Superiores e na composição dos conselhos institucionais” é uma evidência da ausência de igualdade de gênero, mantendo a como uma necessidade a “constante luta pela igualdade pela participação feminina em todas as instâncias do poder”. Continue a leitura.

Muitos homens e mulheres não acordaram para a questão de a linguagem produzir realidade. Muitas pessoas dirão que é mimimi adotar-se Estatuto da Advocacia invés de Estatuto dos Advogados. Ou Congresso de Pais, mães e responsáveis invés de Congresso de Pais. Entretanto, não dirão o mesmo quando seu nome for omitido no cerimonial do evento no qual estiveram presentes como palestrantes.

Este ano, recusei-me a frequentar o “Congresso de Pais” promovido pelas escolas onde estudam meus filhos, e enviei mensagem dizendo que estava aguardando o congresso das mães. Se o poder público municipal juntamente com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia viesse a pesquisar sobre a presença, por gênero, de pais, mães e responsáveis nos encontros, reuniões e congressos escolares, provavelmente confirmaria o dado da realidade de que ainda são as mulheres que participam preponderantemente da vida escolar das crianças. Se a escola, lugar do pedagógico, resiste, que dirá os espaços de poder.

Eu adquiri minha consciência de gênero tardiamente. Até pouco tempo eu era uma dentre tantas de nós mulheres que não conseguem identificar as atitudes comportamentais cotidianas que consubstanciam a desigualdade de gênero, ou seja, não consegue identificar as gotas homeopáticas diárias que limitam a participação da mulher em sociedade.

Já fui uma mulher sem consciência de gênero em espaço de direção. Então sei muito bem que não precisamos apenas da ascensão de mulheres. Precisamos que mulheres com consciência de gênero ascendam. E que mulheres com consciência de gênero ascendam e, em seus espaços, efetivamente ponham sua criatividade e coragem a serviço de alguma decisão ou ação com qualidade para alterar a realidade de desigualdade de gênero ao seu alcance. Sei que não é fácil, porque uma mulher ascende a um ambiente majoritariamente masculino, então, para se manter, trabalha muito mais para garantir sua manutenção naquele espaço. Já há estudos sobre isso.

O mês de março é o da comemoração, porque o ano todo é de luta pela igualdade da mulher na sociedade. Uma labuta feita a partir de nosso lar, na criação de nossos filhos e filhas, e sempre como expressão do amor que conseguimos dar. Às vezes é um desafio que encaramos sozinha; outras vezes, acompanhada de outras mulheres, e homens, também. Tem que ser um movimento de dentro para fora, porque não é um discurso, é a ação que brota da tomada mais íntima de consciência.

Que as mulheres advogadas não continuem excluídas desde a nomenclatura de seu conselho profissional assim como as mães não continuem excluídas na nomenclatura do congresso escolar que as quer presentes.


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