A difícil tarefa de ser gordo

Por Paulo Ludovico

Entre os que sofrem nesse mundo, com certeza, estão os gordos. Eu sei o que é isso. Já pesei 197 quilos. Hoje, depois que me submeti, em 2003, a uma cirurgia bariátrica (aquela do estômago ou da obesidade, como queira), tenho a sensação de ter o corpo de um bailarino espanhol. Gordo, prá mim, é Ronaldo, o fenômeno (ou ex), é Adriano, do Corinthians. Qualquer outro é gordo, menos eu. E a discriminação vem de todo o lado. Uns quilos a mais, lhe tacham de GORDO. Agora, meu amigo, se você tiver (como eu tive) muitos quilos a mais, você já sobe de posto, passa a ser GORDÃO. Já o médico lhe chama de gordo de uma maneira mais elegante: OBESO. Mas, para aquele com os quilos a mais (o gordão), ainda acrescentam a palavra MÓRBIDO. Repare que coisa assustadora: o médico olha pra você e, como se desse uma notícia qualquer, diz:

– O senhor é um OBESO MÓRBIDO.

A vontade é de sumir. O problema é encontrar um lugar onde caiba. Quando o médico me falou isso pela primeira vez, o trauma durou o ano seguinte, inteirinho. Não podia nem ouvir falar o nome daquele doutor.  

Para o gordo, pior que isso é só se olhar no espelho. Não invariavelmente, nessa situação ou diante daquela visão, ele diz (ou, no mínimo, pensa): “como esse espelho engorda a gente”.

É bom lembrar que quase todo gordo é mentiroso, quando lhe perguntam:

– Você come muito?

Vem a mais mentirosa das respostas:

– Nãããããoooo!!!.

E é bem assim, para impressionar melhor, o “NÃO” tem de ser bem prolongado.

Impossível me esquecer das malditas cadeiras de plástico (as mesmas dos barzinhos). Eu já estava perto dos 197 quilos, quando inventaram aquelas cadeiras, que poderiam se chamar mais de “suplício de gordo”. Um pesinho a mais e as danadas não suportam, abrem as pernas. Se o chão for liso, aí, meu camarada, é um “deus nos acuda”. Eu tinha a impressão de que, não precisava nem sentar, “ao me ver”, aquele diabo daquela cadeira já ia logo abrindo as pernas. Uma espécie de alerta: NÃO VENHA!.

Já hoje não… Sento sem o maior problema. O interessante é que, logo que emagreci (cerca de 80 quilos), passei a fazer questão de me sentar na cadeira de plástico.

– Traga essa danada. Eu dizia, escancarando, no rosto, a expressão arrogante do vencedor (a mesma expressão do uruguaio, Loco Abreu, depois do gol alvinegro, no último Flamengo e Botafogo).

E não só me sentava. Tinha de provocar. Desafiadoramente, jogava-me na cadeira. Quem prestasse a atenção, poderia perceber, no canto de minha boca, um sorrisinho, de vitória. Era uma espécie de vingança, pelos sofrimentos que a danada havia submetido a mim, naquele passado nem tão remoto. Muitas vezes, eu sonhava (eram verdadeiros pesadelos), trocando murros com as cadeiras.      

Outra situação incômoda para o gordo é no ônibus (ou no avião). Em um ou em outro, as poltronas são estreitas e o cinto de segurança é curto (se é curto ou se não é, não sei. O certo é que não cabe o gordo dentro deles). No avião, da comissária de bordo, vem aquela voz melosa (que parece estar em pleno orgasmo):

– Senhores passageiros, por favor, afivelem os cintos.

Como? Se não dá!!!. (ficava sempre a dúvida, se eu não cabia no cinto ou se o cinto é que não cabia em mim). Pensava eu, e tão alto, que a impressão era a de que todos os demais passageiros chegaram a ouvir (pelos menos, os olhares deles estavam cravados em minha direção). Para a sua infelicidade total, vem aquele menino (tipo Joãozinho) e diz:

– Moço, o senhor não ouviu? Coloque o cinto.

Numa situação dessas, dirigi ao menino o olhar mais aterrorizante de que fui capaz produzir, que ele chorou a viagem inteira (meia hora pra Salvador). Numa outra viagem, foi só aquele mesmo menino me ver, ainda no aeroporto, e desaguar em prantos. Isso, ainda que eu tivesse dirigido a ele o mais angelical dos olhares (uma espécie de pedido de desculpas). Não teve acordo, foi outra meia hora de choro.

E quando o gordo é o último a chegar. Ele vai (com dificuldade, claro!) andando pelo corredor do ônibus (também estreito) e os passageiros lhe dirigem aquele olhar, quase que suplicando para que você, gordo, continue na difícil tarefa de encontrar onde se sentar. O interessante é o suspiro de alívio de cada um desses passageiros que vão ficando prá trás. Já pensou, o que é viajar a noite toda, espremido?

Conheço um gordo (mais do que o eu, daquela outra época. Ele ainda não teve coragem de se submeter à bariátrica), que me disse ter passado o maior sufoco. Ele estava sozinho, em casa, quando, as chaves do carro caíram. Como abaixar? A barriga não permitiria.

– E como você fez? Perguntei, obtendo a seguinte resposta:

– Paulo, tive que me deitar, para apanhar a chave.

Fiz um esforço sobre-humano para não gargalhar.

– E como você se levantou? Arrisquei outra pergunta.

– Arrastei-me até uma cadeira. Só assim, pude me levantar.

Respondeu ele num tom que não dava chance para quaisquer outras perguntas.

E você já pensou na quantidade de apelidos que têm como vítima o gordo? Bem, aí é uma questão à parte, que vai ficar pra outra oportunidade. Até lá.


4 Respostas para “A difícil tarefa de ser gordo”

  1. Alberto

    Paulo

    Gosto muito de suas cronicas. Onde aprendeu ??? Sou conhecia você dos tempos de judô e de Salvador ( você foi do CEUSC ??? ). Conte mais historias que são hilarias.

    abs

    alberto

  2. Alberto

    Paulo

    Onde se lê “sou” leia-se “Só”

    alberto

  3. Alberto

    Paulo

    Mais uma. Onde anda Paulão Neves que lhe dava “porrada” no JudÕ???

    alberto

  4. Paulo Ludovico

    Caro Alberto

    Acredito ter aprendido a escrever na escola. Quanto ao conteúdo, a própria vida me ensinou, talvez por ser uma pessoa extremamente feliz. Paulo Neves é professor de Judô em Salvador, sempre matenho contato com ele.
    Quanto à sua outra pergunta, não morei no SEUSC, mas tive váriuos amigos que moraram lá: Domingão, Ermison etc.

    Abraços

    Paulo Ludovico

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