Não dá para ficar indiferente

Ezequiel Sena

Atualmente, a realidade brasileira tem se mostrado pródiga em selvageria e dado um combustível estarrecedor aos holofotes midiáticos. Evidente que são fatos isolados que estão presentes em nosso cotidiano. Mas o que deixa a população perplexa e inconformada é a dimensão repetitiva de casos de violência-extrema. E o que é pior, transformou-nos em uma platéia boquiaberta, estarrecida e passiva diante de tantos episódios brutais que são mostrados pela TV. Parece até que a desgraça alheia é a programação preferida da mídia em geral, capaz de abalar e ridicularizar a nossa dignidade. Apesar de tanta indiferença, o ser humano não é indiferente. Intimamente, não admite tamanha insensatez ou insensibilidade. Estaríamos contagiados pela inércia, no sentido mais profundo da expressão, se não demonstrássemos indignação a todo esse estado de coisas que vem acontecendo em nosso País.

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Para se ter uma idéia, enfatizo o ocorrido em 25 de julho último em Fortaleza (CE), por ser talvez a mais desastrosa e precipitada ação policial dos últimos tempos. Numa abordagem de rotina é dada uma ordem de parar a uma moto, porque havia duas pessoas de capacetes. Não obedeceu à blitz (não ouviu, disse Francisco pai da vítima) o suficiente para que o policial da viatura 1031 Ronda do Quarteirão sacasse a arma e disparasse; o tiro furou o capacete e atingiu a nuca do adolescente Bruce Cristian de Oliveira Sousa, 14 anos, que tombou da garupa da motocicleta pilotada pelo pai. A bala vazou o olho esquerdo do menino, com morte instantânea. Uma cena terrível e agonizante que revoltou o País inteiro – o garoto morto imerso numa poça de sangue; o pai, Francisco Chagas, abraçado ao corpo do filho aos prantos em meio às suas ferramentas de trabalho que ficaram espalhadas pelo chão –. Ninguém em sã consciência é capaz de mensurar a dor de um pai num instante de aflição como esse. Só Deus mesmo para confortá-lo.

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Poucos dias atrás, para ser mais preciso 17/07, outra operação infeliz aconteceu no Rio de Janeiro, numa troca de tiros entre criminosos e policiais militares nas favelas de Quitanda e da Pedreira, uma bala de fuzil atingiu o peito do garoto Wesley Guilber Rodrigues de Andrade, de 11 anos, quando assistia à aula de matemática no CIEP (Centro Integrado de Educação Pública). Levado às pressas ao hospital pelos professores, mas chegou sem vida.

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Já estava me esquecendo do caso Bruno, goleiro do Flamengo, que também comoveu a sociedade como um todo. O atleta está preso e é acusado de um crime dos mais assombrosos dos últimos tempos – matar e esquartejar o corpo da ex-amante e jogar os pedaços, como se fosse carne de animal para os cães, tentando ocultar uma suposta paternidade –, fato que, se confirmado, mais parece cena de filme de terror. E, por último, o atropelamento trágico de Rafael Mascarenhas, 18 anos, filho da atriz Cissa Guimarães. Também com prognóstico de desfecho lastimavelmente vergonhoso: dois policiais graduados sendo acusados, pelo pai do motorista do veículo envolvido no acidente de sofrer coação dos PMs para pagamento de propina para dissimular o caso.   

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Autoridades tentam minimizar o descrédito porque passa a segurança pública brasileira com justificativas que não convencem e se tornam pífias e irresponsáveis. Equivocadamente ignoram a realidade que é triste e imoral. Parece não assimilar que as nossas instituições padecem de confiabilidade. Acham que o Brasil está bombando e o desenvolvimento é capaz de absolver todos os pecados. Reconheço, entretanto, que a violência urbana não é exclusividade da polícia, está presente nas mais distintas instâncias e instituições. A diferença, no entanto, é que a polícia possui o direito legítimo constitucional do uso da força, se for preciso, no combate ao crime e na eficiente manutenção da ordem. Porém, não lhe dá o direito de ir além disso.

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Para não me alongar muito e refletindo melhor, penso que não podemos jogar a toalha e desacreditar nos poderes constituídos. Pelo contrário, recuperar a coletiva-estima deve ser a nossa principal bandeira. Inegavelmente, nas últimas décadas o Governo e Órgãos de Segurança não têm poupado esforços no sentido de aproximar as Forças de Segurança (Policias Militar e Civil, Exército, Marinha e Aeronáutica) da sociedade. Ainda assim não dá para ficar indiferente vendo inocentes morrerem sob a desculpa de mera fatalidade.

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Ezequiel Sena


Uma Resposta para “Não dá para ficar indiferente”

  1. Renato Senna

    Ezequiel,

    Li com mais atenção e gostei. Parabéns, e que continue assim, imparcial!

    Renato Senna

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