A alma da revolta e do preconceito

Por Ezequiel Sena

Não é de hoje que o preconceito contra os nordestinos existe e tem raízes no racismo, especialmente porque negros, mulatos e descendentes de índios compõem grande parcela da população das regiões norte e nordeste. Mas agora, outro aliado perigoso vem ganhando força inimaginável: a propagação de comunidades na internet com mensagens de hostilidade e de discriminação contra os migrantes dessas regiões. Recentemente jovens entre 18 e 25 anos, universitários, resolveram se unir a partir de um manifesto virtual, intitulado “São Paulo para os paulistas”. A ideia inicial partiu de uma jovem de prenome Fabiana, indignada diante da proposta de inserção da cultura nordestina na grade curricular de escolas públicas da capital paulista, decidiu redigir o manifesto com visíveis intenções separatistas.

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O manifesto, datado de 15 de junho de 2010, afirma: “Nós paulistas andamos nas ruas e não nos sentimos em casa. Só se vê pessoas de outra cultura e valores. Desrespeitam nossos costumes, e o paulista é forçado a se calar” (…). O movimento tem conquistado apoio de muitos internautas, até ontem (25/08),  contabilizava-se mais de 600 adesões, contudo, a maioria abraça a mesma astúcia de Fabiana, o anonimato. Não é preciso ir muito longe, basta acessar as redes sociais de relacionamento como ‘Orkut’, ‘facebook’, etc., para ter uma ideia precisa do tamanho da discriminação. Sem nenhum exagero, criaram comunidades do tipo “Odeio Nordestino”, “Lugar de Nordestino é no Nordes”, “Manifesto Confederalista” e outros.

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Nessa empreitada moral e cívica, Fabiana mostra a sua face verdadeira, o rosto sem maquiagem, a alma da revolta e munição suficiente para enfrentar um batalhão, mas peca por não compreender que São Paulo é uma capital essencialmente cosmopolita, já que as suas armas apontam diretamente para uma classe de migrante que puxa pelo “t” velar, usa expressões do tipo ‘oxe’, ‘arretado’ ‘porreta’, ‘adora forró’, ‘costuma falar alto’, ‘cabeça chata’, e em sua grande maioria pobre.

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Tentei separar alguns tópicos da petição para que você leitor possa tirar suas próprias conclusões: “A Cultura migrante caracteriza-se por ser agressiva, violenta, simbolizada no fato de ter como seu herói a figura de um ‘cangaceiro’ – cuja história representa os valores culturais de sua região. Daí a alta taxa de criminalidade cometida por migrantes no estado de SP desde sua chegada”. Acusam. “Rechaçamos a afirmação de que São Paulo seja a cidade mais nordestina do País. Nós paulistas, REPUGNAMOS esta AGRESSÃO imposta”. “Consideramos falácia a afirmação de que São Paulo foi construída pelo braço nordestino”. “Tenta-se vender a ideia de que São Paulo é terra sem dono, casa-da-mãe-joana”. “Nossas praças não são locais de rodas de forró”, reclamam. “A quase totalidade dos serviços públicos de São Paulo são para usufruto de outras culturas: postos de saúde, transporte, atendimentos de emergência, assistência social. Como se não bastasse, migrantes tomam vagas de nossas crianças nas escolas e creches, aumentam a demanda por merenda”. Criticam. “A pobreza histórica do Nordeste seria a herança atávica dos nordestinos pela folia. “Festas juninas interrompem o trabalho por um mês. Há os carnavais fora de época, intermináveis. Enquanto isso, o paulista esgota-se no trabalho”, avalia o Manifesto. “É hora do povo paulista ser menos altruísta” (…).

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Mesmo com toda essa ojeriza, Fabiana e seus seguidores repudiam a pecha de racistas ou qualquer hipótese de serem confundidos com fascistas, nazistas,  xiitas e afins. Apesar de tudo, o Brasil não tem divisão de tribos ou etnias, sendo o preconceito movido apenas por questões geográficas. Felizmente, por esta razão os embriões de manifestações de cunho separatistas como esta nunca tenham conquistado mais do que algumas páginas na internet e terminam morrendo no nascedouro.

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Ezequiel Sena


12 Respostas para “A alma da revolta e do preconceito”

  1. Michele

    Realmente São Paulo é para os paulistas… e quem são os paulistas? Os migrantes!
    É melhor não ensinar sobre o Nordeste se é para falar asneiras sobre a nossa cultura.
    É necessário mostrar ao povo a diversidade do nosso país, mas levar aspectos da ecologia humana à pessoas que se acham superiores e que nada possuem em seu interior é realmente “jogar pérolas aos porcos”.

  2. Katia

    Ezequil,

    Gostei de seu artigo. Acho que enquanto nordestinos devemos como vc desde já nos manifestar contra essa barbarie em pleno século 21!! Parabéns pela manifestação!!!

  3. FRANCISCO SILVA FILHO

    Amigo Ezequiel, pelo muito que eu posso verificar aqui no Sul, e em São Paulo não é nem um pouco diferente, quem mais discrimina o nordestino são os descendentes dos próprios nordestinos. Eu tenho caso dentro da nossa família, uma criatura que nasceu em São Paulo, filha de irmão meu, na USP, enquanto estudante, andou até infiltrada naquele maldito grupo de Skin Head que andou vassalando as ruas de São Paulo; ela nunca fez qualquer segredo da sua antipatia por baianos e nordestinos, para ela, nada na Bahia presta e se for da Bahia para cima, “pau neles!”. A maior prova de que quem discrima os nordestinos são os seus próprios descendentes, veja na meteórica ascenção dos Mamonas Assassinas, quando eles fizeram aquele sucesso estrondoso exatamente achincalhando com os baianos e nordestinos, e, para eles, aquele povo lá das profundas do interior baiano, eram uns alienígenas dígnos de eterna chacota, nem mesmo os tios e parentes mais próximos eles pouparam na insana perseguição respaldados pelo bairrismo regionalístico. Portanto Zica, há que se investigar mnuciosamente a origem dessas criaturas que encabeçam esses movimentos de cunho separatistas e discriminatórios. Uma coisa eu tenho como certa, os verdadeiros paulistas são os descendentes dos quatrocentões, o resto é simplesmente o resto do Brasil disputando seu lugar ao sol em lugar que transformou-se ao longo do último século em tão inóspito quanto inóspito foi o oeste americano (faroeste). Complementando, os verdadeiros paulistas, não estão nem aí para os imigrantes, qualquer que sejam eles.

    Francisco – Curitiba – PR

  4. Sandro

    É meu caro amigo. Essa turma não tem jeito mesmo – passou da divisa de Minas em direção o nordeste todos são “paraíbas”, já para o paulista todos são baianos. Isso é histórico, mas valeu o seu repúdio.

  5. Lipe

    Quem já teve contato com produções do Monteiro Lobato percebe que nada disso é novo!

  6. Lipe

    Urupês, dando vida a um de seus mais famosos personagens, o Jeca Tatu.

    “Jeca era um grande preguiçoso, totalmente diferente dos caipiras e índios idealizados pela literatura romântica de então. Seu aparecimento gerou uma enorme polêmica, em todo o país, pois o personagem era símbolo do atraso e da miséria que representava o campo no Brasil. Monteiro Lobato conheceu apenas o caipira caboclo, e generalizou o comportamento destes para todos os caipiras, causando então muita polêmica” (WIKIPEDIA, Aces 27/08/2010).

  7. Antenor L. Moreira

    Viajei muitas vezes para São Paulo a serviço e fazer curso de especialização. Conversei com muitas pessoas nascidas em São Paulo e emigrantes nordestinos. Na realidade, tenho muitos parentes em São Paulo, inclusive dois irmãos, um nascido em Santo André.
    De forma que uma parte da minha família se expandiu em São Paulo.
    Senti nos parentes nascidos lá um certo orgulho por serem descendentes de baianos, curtiam as músicas da Bahia e conheceram um pouco da música de Elomar por meu intermédio.
    Eu sei que existe em São Paulo esse preconceito contra os nordetinos, mas eu nunca me senti hostilizado. Provavelmente esse preconceito esteja nas camadas mais altas da sociedade paulista.
    Mas dá para sentir que os paulista de raiz são muito provincianos.

  8. Paulo

    Parabens seu Ezequiel,os paulistas esqueceram que quem construio são Paulo , foram os nordestinos,bem como outras capitais tambem.abraço.

  9. Flor de cactus

    Nem toda feiticeira é corcunda,nem toda Brasileira é bunda(Rita Lee)Não dá para generalizar,conheço muitas Paulistas que amam nordestinos…

  10. Efrain Podewils

    prolonged logbook you acquire

  11. fill simpson

    gostei muito da reportagem principalmente do final.

  12. Questionador

    Paulistas são Paulistas.
    Migrante nordestino não é Paulista, e tem que respeitar o anfitrião.

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