Retrocesso à Liberdade

Por Ezequiel Sena

Na opinião de muitos historiadores a biografia da vida nunca fala a verdade por inteiro. Como também seus protagonistas nunca dizem tudo. Em contrapartida as coisas vão e voltam, com títulos e olhares diferentes. A intenção desta abertura é para comentarmos sobre um movimento solitário de militares remanescentes do golpe de 64 que se articulou judicialmente para retirar do ar a novela “Amor e Revolução” escrita por Tiago Santiago, em exibição desde 04 de abril último, pela emissora SBT. Sabemos que a luta por audiência é acirrada e às vezes desonesta, principalmente quando alguma programação alcança índices surpreendentes e causa incômodo no tradicionalismo; contudo, não se pode negar a importância desta iniciativa de transformar em novela os momentos que marcaram a nossa história, ainda que sejam sombrios.    

Há de convir que não seja coisa normal assistir na TV, mesmo sob a forma de ficção, a crua verdade que permeia o passado recente do País. Confesso, a princípio, que não me interessei pelo folhetim, entretanto, ao receber seguidas mensagens pela internet expondo a bombástica atração, despertou a minha curiosidade e me fez mudar de idéia. Passei a acompanhar e a apreciar o seu conteúdo. Notei ser uma mistura de romance típico dos anos 60 e o lado terrível da ditadura. Uma narrativa viva dos ‘anos de chumbo’ que marcaram a vida do Brasil (1964 a 1985).

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Expõe sem medir palavras ou imagens a perseguição e a tortura. Oficiais ‘reacionários’ prontos a perseguir e eliminar opositores. Encenações fortes nos porões do Dops parecem reais – ‘pau-de-arara’, ‘choque elétrico’ e tudo mais de desumano que caracterizava o regime opressor. Enfim, fatos que sempre foram proibidos aos olhos dos brasileiros, agora estão escancarados na televisão. E, diga-se de passagem, num canal popular, dirigido principalmente às classes menos abastadas. Todavia, comenta-se que boa parte do que é mostrado ainda não foi relatado na “Comissão da Verdade”, já que há suspeita da existência de lobby tentando postergar a sua instalação.

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No elenco trás a experiência de atores veteranos como Cláudio Cavalcante, Lúcia Veríssimo, Paulo Cesar Pereio, Rogério Márcico, Cacá Rosset, Fabio Villa Verde e outros. Para completar, alguns atores jovens com interpretações aceitáveis, porém sem o brilho desejado. Imagino que a direção vai ter que ajustar em muitos aspectos. Já a trilha sonora é de primeira linha composta por canções dos ‘anos de ouro’, a exemplo de ‘Cálice’ com releitura da cantora Pitty e alguns clássicos de nomes consagrados da música popular brasileira, como Caetano Veloso, Nara Leão, Chico Buarque, Raul Seixas, Dolores Duran, Gilberto Gil, dentre outros.

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“Amor e Revolução” atinge o seu ponto forte é no final de cada capítulo, quando são exibidos depoimentos de personalidades que vivenciaram os momentos de horror na obscura época da história do País, dentre estes: políticos, jornalistas, empresários e intelectuais como: Maria Almeida Teles, Jarbas Passarinho, Waldir Pires, Carlos Vereza, Antonio Carlos Fon, Carlos Eugênio Paz, Luiz Carlos Prestes (…), e isso tem gerado algumas polêmicas. Por sinal, a emoção do relato da jornalista Rose Nogueira provocou sério desconforto nos bastidores do jornal “A Folha de São Paulo”, com repercussão na grande mídia.

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Mas voltando ao manifesto da Associação Beneficente dos Militares Inativos Graduados da Aeronáutica (ABMIGA), encabeçado pelo militar José Luiz Dalla Vecchia; diria que o Ministério Público Federal do Distrito Federal não deve ser favorável a tal reivindicação. Proibir a exibição do folhetim representaria um retrocesso à liberdade de expressão e a tudo que foi conquistado nestes 25 anos de democracia. Mesmo porque as mazelas da ditadura jamais serão apagadas. Não se trata de nenhuma lenda e sim de fatos reais que, de certa forma, estão registrados para sempre na história do Brasil. Em português claro: não existem motivos palpáveis para se tentar ocultar.        

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Ezequiel Sena


5 Respostas para “Retrocesso à Liberdade”

  1. Adelson

    essa é boa, além de querr ir contra a liberdade de expressão, querem tb ir contra a verdade dos fatos.

  2. Damião silva gato

    Parabéns pelo seu artigo!
    De fato a novela estrelada no SBT, cumpre um papel interessante de relatar a obscuridade dos anos de chumbo,onde não somente a liberdade foi ceifada, mas a vida de muito que lutaram em prol da democracia. A iniciativa do autor e da emissora destoa a lógica das demais telenovelas de emissoras tidas como líderes de audiência, que prezam apenas pela representação das futilidades do cootidianos da classe elitista do Rio de Janeiro ou mesmo de São Paulo, o que é muito bom!

  3. gERALDO pRADO

    O Brasil é assim, quando se mostra as verdades eles querem camuflar. Gostei muito da materia, excelente. Concondo com os comentarios de damião e adelso.

  4. Francisco Silva Filho

    Sabe de uma coisa, Zica? Há coisas que fazemos,que, mesmo quando estamos sozinhos e no escuro, deixam-nos pudibundos. A vergonha sempre há de nos colher em alguma fase de nossas vidas. Com os militares, principalmente aqueles que usaram e abusaram da arbitrariedade e da sua força coercitiva naqueles anos de chumbo, fatos como esses que a novela do SBT desnudam os deixam envergonhados, todavia, o ranço ditatorial continua impregnado na farda e nas divisas que ostentam, por isso mesmo, atentam contra a democracia e guardam a vergonha para, quem sabe, um dia, quando, nada disso mais interessar a alguém, se confessarem culpados e envergonhados.

  5. Micheline

    Devemos lutar COM TODAS AS FORÇAS CONTRA QUALQUER TIPO DE DITADUTRA!!!!!!!!!! Contra qualquer força que queira cercear a liberdade do cidadão, seja ela de expressão, ou de ir e vir!!!!! Parabéns pela matéria!

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