Jorge e as goteiras

Por Paulo Ludovico

“Esse cara é pior do que uma cancela”.

Assim, muita gente se refere àquelas pessoas pouco gentis (gentis, “educadamente” falando, porque no velho e bom “portuga” é bruto mesmo). Ser pior do que uma cancela é aquele tipo de sujeito que a brutalidade é tanta que os amigos se referem a ele como “um sujeito de estopim curto”. E assim é essa história (ou seria estória) de hoje. Ela fala de um sujeito desses, pior do que duas cancelas quando vêm de ladeira abaixo e batem no mourão, arrasando meio mundo. E se tiver um matuto por perto certamente ele diria: “Eita peste, essa pancada aí estralou mermo sô!”. Morou em Conquista, naquela praça onde fico o Fórum (era a Rua das Sete Casas, onde o professor Jarbão brincou muito, quando criança) um homem bom à toda prova, o Sr. Jorge Teixeira. Dizem, os que o conheceram, que ajudar aos outros era com ele mesmo. Mas, dizem também que, quando Deus estava distribuindo paciência aos homens, ele, o velho Jorge Teixeira, se esqueceu de passar por lá. O que o homem tinha de bom, tinha de pouco paciente. Ele era tão sem paciência que o seu estopim não era curto não, nem estopim o filho de Deus tinha.

Jorge Teixeira foi proprietário de quase todo o Bairro Candeias. Onde hoje é a Sacramentinas, o Instituto São Tarcísio, o BNH, Urbis I, Inocoop I e II, dizem que era tudo dele. Fique em pé ali perto da AABB e olhe pras banda da UESB, onde a vista alcançar, era terra de Jorge Teixeira. Cabra bom, honesto e bastante conhecido. Era cumprimentado por todos na cidade.

Conta-se que, numa certa feita, o Sr. Jorge Teixeira resolve, de punho próprio, consertar umas goteiras que havia tirado o pouco de paciência que ainda lhe restava. É que, com o passar dos tempos, uma telhinha se afasta dali, outra que se quebra daqui e quando menos se espera o estrago está feito. Bastante calmo (se é que ele conhecia o que era ficar calmo), o bom Jorge tira aquele feriado pra consertar o telhado de sua casa. O serviço havia começado pela manhã, antes mesmo dos primeiros raios de sol. E é telha que sai, telha que vem, bate um prego ali, outro acolá mas, apesar de todo empenho, o serviço não anda. Já era perto do meio dia, sol quente, daqueles de rachar. O homem suava por todos os poros, o nervoso é tanto que já nem cabe dentro do corpo. Em muitos momentos, Jorge Teixeira maldisse a idéia que tivera de fazer o serviço sozinho, sem uma ajudazinha sequer.

Justamente nesse momento, de maior ira, é que surgem aquelas chamadas, presenças indesejadas. E o que é pior, fazendo as tais perguntas, que jamais deveriam ser feitas. E com seu Jorge não éi diferente, aparece um seu conhecido e vai logo dizendo:

– Bom dia, Seu Jorge!

– Bom dia! Responde ele. Mas, com aquele bom dia seco, de quem não quer muito papo.

Sem entender a deixa (ou seria, sem querer entender?), o inoportuno continua:

– O sol tá quente, né?

E vem a resposta, na tampa e em cima da bucha:

– Sol frio, eu num conheço, não.

Uma espécie de aviso pra que não fosse feita qualquer outra pergunta. Mas, o inconveniente, sem perceber o aviso indireto (ou querendo mesmo chatear) lasca, sem pensar, a seguinte indagação:

– Consertando a goteira, seu Jorge?

Aí é demais pra paciência do pobre Jorge. Ele, já vermelho (pelo sol e pela raiva) e com veia do pescoço inchada, sai marchando (igual a soldado do exército, em 7 de setembro), quebrando tudo que é telha, ao mesmo tempo em que diz:

– NÃO!!!!! NÃO ESTOU CONSERTANDO, NÃO!!!! SE VOCÊ QUER SABER, ESTOU AQUI, TRABALHANDO A MANHÃ INTEIRA, FAZENDO MAIS GOTEIRAS!!!!


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