Aterrando (ou enterrando) o português

Paulo Ludovico

Chega época de eleição e as mesmas histórias se repetem. Nunca vi tanta gente interessada em meu futuro. Todos lutando pelos meus interesses, tão esquecidos, desde a última eleição. Aliás, esses camaradas pensam nos meus interesses (e nos do povo), só de quatro e quatro anos. E o horário político na TV? Com esse me acabo de rir. É cada figura! Certo humorista disse que, nessa época de campanha política, suspende seus shows, por causa da concorrência desleal e pondera: “quem vai pagar pra ver meu show se tem comédia todo dia, e de graça, no horário político na TV”. Cá prá nós, ele tem razão. Se você não acredita, tire um dia desses (ou noite) e tome a seguinte decisão: “hoje vou ver nossos candidatos na TV”. Decida e prepare-se, pois (não se esqueça de levar a pipoca) rirá, até se acabar. E o que isso tem haver com nosso caso de hoje. Continue a leitura e descobrirá que é mais um desses casos de políticos que só servem pra gente rir. Se a TV Globo faz isso com as novelas, criando expectativas, para que o telespectador veja o próximo capítulo, posso também usar de meus expedientes para estimular você a continuar a leitura.  Então, se maiores delongas, aqui vai. Esse quem me contou foi a professora Iara Damiana e aconteceu lá, mais pro Sul da Bahia. Não revelo qual a cidade, para não identificar a quem esse caso faz referência (mesmo porque o que interessa é o caso e não quem o protagonizou) .

Existiu por lá um político muito influente na “dinastia” Antônio Carlos Magalhães. Esse político, que é o nosso protagonista desse caso de hoje, foi prefeito da cidade onde aconteceram os fatos desta história. Por aquele colégio eleitoral, elegeu-se deputado estadual e federal, por várias legislaturas, diga-se de passagem.  Era (o era aí é só em referência à época em que esse caso se “assucedeu”) homem de poucas letras e, consequentemente, de um português, digamos, rasteiro. “Nois vai”, “nois vem” e “se vocês quererem” chovia em seu palavreado. Toda vez que o danado ia se referir a algo que estava sobre outra, só falava “em riba”. Acho que aquela música “Caia por cima de mim”, prá ele deveria ser “Caia por riba de mim”. Extrair um dente era “distrair um dente”. Os olhos eram “os zói”, sem se esquecer das orelhas que eram as “zoreia”. E nesse português, que era próprio, o “brabo” se elegia legislatura após legislatura. Talvez, justamente por falar essa língua (que é mais um dialeto) do povo da roça. E esse palavreado era posto à prova em público, nos famosos comícios, onde os oradores (bons e nem tão bons) deitavam e rolavam. E o caso de nosso político aconteceu justamente num comício. A professora Iara Damiana relatou o caso a mim como verdadeiro.

O povo, “uns ingrato” (sem o plural), dizia o protagonista, começou a falar que o “artista” dessa história não havia trabalhado muito pela cidade, quando prefeito. “Os eleitô tem lembrança curta”, lamentava, ele. Mesmo assim, esses comentários da falta de ações de nosso político só aumentavam, fato que causava grande aborrecimento nele. “Isso não é verdade, dei e dou minha vida por essa terra”, afirmava sempre.

Pois muito bem. No auge desses comentários que versavam sobra a atuação desse danado à frente da Prefeitura, chega, tal qual, agora o período pré-eleitoral, quando os candidatos deitavam falação nos comícios (eles, os comícios, existiam aos montes). Os discursos eram pra muita gente. Em alguns comícios, naquele lugar, chegou-se a contar mais de duas mil pessoas. E é nesse cenário que nosso político sobe ao palanque. “Puto da vida”, por causa dos comentários que recaiam sobre ele, quando prefeito. Já falava há mais de meia hora. Eis que, nesse momento, do meio da platéia, surge uma voz aos gritos (“certamente de alguém da oposição ou pago por ela”, afirmavam os correligionários do eloqüente orador) , que dizia o seguinte:

– Doutor. Porque você não fez nada quando foi prefeito?

A professora Iara não soube dizer se essas palavras retratavam a verdade ou se foram ditas só pra pirraçar o ofendido orador. O certo é que ele ficou vermelho, esbugalhou os olhos, inchou a veia do pescoço e respondeu ao impertinente com a seguinte indagação:

– Não fiz nada? E continuou, segundo ele, esmerando-se no português:

– E essas ruas, quem “cauçôlas”? E essas praças, quem “aterrôlas?”


3 Respostas para “Aterrando (ou enterrando) o português”

  1. PAULO PIRES

    Professsor Paulo Ludovico

    Gostei de sua ironia, endereçada a nós candidatos.

    Se eu gostei é porque li. Sendo assim, sou seu LEITOR.

    E agora depois de me declarar ser seu Leitor, agora lhe peço para o amigo ser meu ELEITOR. Gostou da proposta?

    Claro, que isso só se concretizará se o amigo não se comprometeu com aquele. Sim, aquele do Sim.

    Grande abraço para todos e vote em Paulo Pires – 13.400

  2. Paloma

    Sem mais…Claro que temos de respeitar a pluralidade de dialetos de um povo,mas existem casos irreparáveis.

  3. Luana

    Caro Paulo Ludovico,

    Adoro suas histórias, principalmente por serem reais, engraçadas.. depois da primeira história em que me acabei de tanto rir (caminhada na Olivia Flores), sempre que vejo postada alguma, não resisto.. Parabéns!

    Luana Amorim.

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