Memória dos cárceres de Alagoas

Foto: Reprodução
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Reno Viana
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No dia 17 de dezembro de 2013, em Brasília – DF, na 181ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi aprovado por unanimidade o relatório final do Mutirão Carcerário do Estado de Alagoas, realizado no período de 4 de novembro a 6 de dezembro. Indicado pelo CNJ, tive a honra de coordenar o referido Mutirão Carcerário, contando com a parceria do juiz José Braga Neto, indicado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas.
 
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem percorrido o Brasil com o projeto Mutirão Carcerário, possibilitando um amplo diagnóstico do sistema penitenciário brasileiro, bem como das varas criminais e de execução penal do país. Em síntese, a linha de atuação do projeto assenta-se em dois eixos bem definidos: a) garantia do devido processo legal, com revisão das prisões de presos definitivos e provisórios; b) inspeção nos estabelecimentos prisionais.
Em Alagoas, participaram dos trabalhos equipes do Ministério Público e da Defensoria Pública. Os trabalhos também foram livremente acompanhados por representantes da sociedade civil.
De um modo geral, resultou evidenciado o caráter excessivamente repressor do modelo de execução penal vigente naquela unidade da Federação.
A desproporção entre o número de presos provisórios e de presos condenados, bem acima da média nacional, foi um dos principais motivos para a presença do projeto em Alagoas. Infelizmente não se conseguiu reverter de forma significativa esse cenário, mesmo após a conclusão dos trabalhos.
Na tentativa de compreender as razões dessa realidade, ativistas dos direitos humanos alertaram para o disposto no art. 2º da Lei Estadual nº 6.564/2005 (Código de Organização Judiciária do Estado de Alagoas), que categoricamente afirma: “a Justiça do Estado é instituída para assegurar a defesa social”.
 
O significado da expressão “defesa social” fica mais explícito quando se examina o nome da Secretaria de Estado a que se vinculam a Polícia Militar, a Policia Civil, o Corpo de Bombeiros, dentre outros órgãos tidos como sendo da área de segurança pública em Alagoas. Trata-se da Secretaria de Estado da Defesa Social. Impossível não perceber que tal fato faz com que os juízes criminais sejam tidos ali como agentes da segurança pública, em evidente antagonismo com o perfil garantista traçado pelos princípios constitucionais e pelos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Em relação aos presos provisórios, a situação mais escandalosa foi a constatada na 17ª Vara Criminal de Maceió, que sozinha seria responsável por 25% dos custodiados em Alagoas. Vários desses presos estariam custodiados a vários anos sem julgamento. Indivíduos presos há 4, 5, 6 anos, até mesmo 7 anos, sem serem sentenciados.
Instituída pela Lei Estadual nº 6.806/2007, a 17ª Vara Criminal de Maceió foi criada com competência exclusiva para processar e julgar os delitos envolvendo atividades de organizações criminosas, tendo jurisdição em todo o território alagoano. Segundo seu art. 2º, sua titularidade seria coletiva, sendo composta por cinco juízes de direito, todos indicados e nomeados pelo presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, com aprovação do Pleno, para um período de 02 (dois) anos, podendo esse tempo, a critério do Tribunal, ser renovado.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu em maio de 2012 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4414, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a criação da vara. Os ministros julgaram a ação parcialmente procedente, mantendo a existência da vara especializada, composta por cinco magistrados, mas declarando inconstitucionais diversos dispositivos que regiam seu funcionamento, entre eles o critério para a designação dos juízes que nela atuam, devendo ser aprovada lei que estabeleça critérios objetivos para preenchimento das cinco vagas.
No tocante à situação dos presos condenados, o problema mais grave identificado foi a inexistência no Estado de unidades para cumprimento de pena no regime semiaberto. Desde a interdição da Colônia Agroindustrial São Leonardo, em setembro de 2008, os condenados em regime semiaberto e aberto passaram a cumprir suas penas em prisão domiciliar. A referida interdição foi deferida pelo Poder Judiciário, a pedido do Ministério Público, devido à inadequação da unidade prisional. Essa deficiência, porém, além de contribuir para a superpopulação carcerária, estaria fazendo com que muitos presos deixassem o regime fechado sem ter tido oportunidades de ressocialização, o que favoreceria a reincidência criminal.
Aprovado por unanimidade pelo CNJ, o relatório final do Mutirão Carcerário de Alagoas apresentou uma série de recomendações às autoridades alagoanas, com o objetivo de aprimorar o sistema prisional e estimular a ressocialização dos presos.

* Reno Viana é juiz de direito na Bahia e membro da Associação Juízes para a Democracia.


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