O Homem de Java

Jorge Maia

Jorge Maia

No inicio do ano letivo de 1970 conheci o Padre Guilherme. Entrou na sala de aula e impressionou a todos da turma, com sua figura alta e magra, sobre tudo por sua pronuncia carregada, dando mais força do que o necessário às palavras proparoxítonas. Em especial à palavra matemática, a qual pronunciava com muita simpatia. Afinal, dedicava parte da sua vida  aos números misteriosos e atormentadores de nossas cabeças juvenis, povoadas de sonhos menos complicados.

Ao iniciar a sua apresentação afirmou que ninguém precisaria se preocupar com o seu Português, pois falava devagar e todos poderiam compreendê-lo, além do mais, afirmou ele, tinha um dom todo especial para ensinar Matemática. O que me deu certo conforto, mas não melhorava a minha  situação para tratar com números, o que não era culpa do Padre Guilherme.  Era um homem culto. Falava mais de oito idiomas era possuidor de conhecimentos gerais bem consideráveis.

Nasceu em Java, quando ainda era colônia Holandesa, por isso eu o chamava de: o homem de Java, numa alusão à descoberta paleolítica. A brincadeira era aceita sem  ofensa. Era uma figura estimada por todos. Toda a turma tinha  uma atenção carinhosa para com o Padre Guilherme, protagonista de tantas histórias engraçadas.

Dentre as sua histórias e brincadeiras, recordo-me de um dia quando eu e um colega, João Bernardino, disputávamos qual de nós levaria a colega Nalva até a sala de aula, de braços dados. Enquanto “brigávamos” tentando ficar com o troféu, o Padre Guilherme chegou de súbito e carregando Nalva consigo, e diz: enquanto dois cachorros disputam um osso um terceiro o carrega. Caímos em gargalhadas.

Em outra ocasião, sem receber o seu salário do Governo do Estado, por dois anos, adquiriu uma coleção de livros, pensando no que no mês seguinte receberia o seu salário. Enganou-se. O vendedor não o deixava em paz. Defendia-se dizendo” o seu governo não me paga, por isso não posso lhe pagar”. Um dia o cobrador resolveu dar uma solução ao caso e pegou os livros de volta, no que concordou o padre, pois  aquela coleção não lhe interessava mais, uma vez que já tinha lido todos os livros.

  Era um grande mestre. Não se contentava em fazer os alunos decorarem fórmulas. Fazia questão de deduzi-las  e explicar todos os detalhes. Deduziu a fórmula de Báskara, ocupando todo o quadro, deixando-nos perplexos diante de tantos números.

Não me recordo de haver assistido a alguma missa celebrada pelo Padre Guilherme. Porém assisti a missas celebradas pelo Padre Eugênio, seu irmão gêmeo, de quem  não pensava diferente, daí suponho que não seria uma missa diferente, sempre destacada  pelas ideias de simplicidade e preocupação com a justiça social.

Hoje, ao recordar –me daquela figura incomum, posso afirmar que o Padre Guilherme só não era impar porque fazia par com o seu irmão gêmeo, Eugênio. Acredito, considerando a grandeza da sua generosidade e da dedicação ao trabalho religioso, convenço-me de que o Padre Guilherme era o nosso elo perdido da bondade e da simplicidade. VC. 12.10.95


Uma Resposta para “O Homem de Java”

  1. Aroldo

    Parabéns, Dr. Jorge Maia ,
    Padre Guilherme serve de exemplo para muitos profissionais de Vitória da Conquista.
    Simples , humilde, humano, desprendido e de muita sabedoria! Deve está servindo ao Grande Arquiteto do Universo!

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