Tairone Ferraz Porto: apuros…. na Terra do Juvêncio

Foto: BLOG DO ANDERSON

Tairone Ferraz Porto

Um dia eu fui parar na sala da tia Zali, diretora da escola.
⁃ Criança que xinga mãe, a gente passa sabão na boca, sabia?
Quando eu escutei aquilo, naquele tom, foi subindo em mim uma raiva, mas uma raiva, até que a tia perguntou:
⁃ O que que você está me olhando assim?
⁃ Hummm!
⁃ O que foi?
⁃ Hummm!
⁃ Tairoooooneeee???
⁃ Hummm…
⁃ Tairooooneeee!
⁃ Naaada, tia! Não fiz nada!
⁃ E essa “estória”?
⁃ Eu não sei, falei quase chorando.
⁃ Acho bom. Eu vou chamar seus pais aqui.
Gelei!
Gelei, porque esse negócio de chamar os pais da gente para irem na escola era pior do que apanhar de um professor de educação física que tínhamos no primário e que, nas aulas, andava com um cordãozinho de “ouro” na mão. Leia a íntegra.

 

Não sei se nas das meninas, mas nas aulas dos meninos, qualquer brincadeirinha nossa, qualquer errinho no exercício ele dava uma solapada na gente, aquele filho de Deus!
Ah, fosse hoje ele iria viver só!
⁃ Mas eu não fiz nada, tia Zali.
⁃ Fez sim, xingou a minha mãe, interviu Xandão.
⁃ Não quero ouvir mais nada, voltem para a sala de aula, agora!
⁃ Mas tia Zali…
⁃ Não tem mais nem menos, Alexandre, sala de aula, já!
E lá fomos nós, um do lado do outro, e eu sendo jurado de morte!
Na época estudávamos na penúltima sala do lado direito de quem descia o corredor principal.
Era, na verdade, uma ladeira empinada tal qual a “baixa da égua” e que dava acesso à cantina.
Não sei o porquê, mas era eu olhar aquele corredor e lembrar daquela ladeira.
A gente ficava sonhando poder um dia descer aquela “pista” com os nossos carrinhos de rolimã, imitando o Nelson Piquet, e dar, no final, um cavalo-de-pau lá no pátio onde todos os dias, em fila, rezávamos o Pai Nosso.
Apesar das muitas reformas que ocorreram no colégio ao longo dos anos, recordo-me bem da nossa sala de aula, porque da porta dávamos de frente para os bebedouros.
E foi ali, justamente ali, que eu estava bebendo uma aguinha gelada depois de um baba de tampinhas de refrigerantes, quando ouvi um berro!
⁃ Você disse o quê? Repita!
⁃ Re-pi-ta…
Era Xandão brigando com um menino de uma série mais atrasada do que a nossa, uns dois anos talvez.
Xandão estava parecendo mainha quando estava brava comigo: “engula”… “engula”… “engula”!
Só que no caso de Xandão era “repita”… “repita”… “repita”…
Eu não me recordo do nome desse menininho e nem tampouco do fim ele levou, mas o certo é que eu nunca esqueci da cara dele naquele dia com aquela mãozinha trêmula subindo com dedo em riste ao encontro do rosto de Xandão para depois apontar para mim e, então, inventar uma calúnia:
– foi ele!
⁃ Euuuuu?
⁃ Eu o quê, “fi da mãe”! Resmunguei apavorado.
De repente o menino sumiu, não vi mais nada, só as ventas de Xandão vindo em minha direção.
⁃ Você xingou a minha mãe?
⁃ Xinga de novo, xinga! Xiiiiingaaaa…
Estatalado estava, estatalado fiquei, sem entender nada.
Não fosse Nalvinha da mimeografia que viu o furdunço, hoje, talvez, eu não estaria aqui para contar-lhes esta “história”.
⁃ Acode Zenaide, acode! Gritou Nalvinha.
O medo foi tanto, mas tanto, que eu senti o coração batendo no pé.
E foi por isso que a gente foi parar na sala de tia Zali, como eu contei há pouco.
Dali pra frente eu bufava de medo de Xandão, mas o tempo foi passando, passando e as coisas foram se acalmando, mas até hoje não tenho certeza se ele realmente se convenceu da minha inocência.
Passou mais um tempinho e um dia eu comecei a receber uns bilhetinhos anônimos, estranhos.
Logo no primeiro, eu tive uma certeza: não eram de Márcia, a menina que havia me pedido em namoro na 1ª série, porque o dela foi escrito com um lápis de cor, verde (o namorico deu zebra, contarei o porquê noutra oportunidade).
Dessa vez o “modus operandi” era outro, porque esses bilhetes agora eram muito mais sofisticados.
É que não eram só papel/lápis/desenhos, não! Agora tinham outros elementos na composição deles.
O primeiro estava escrito assim: “você é fofo como um algodão!”
A sofisticação, no caso, decorria do fato de não
estar escrita a palavra algodão. Tinha, em verdade, um chumacinho de um pregado no bilhete…
Já no segundo, “você é lindo com uma…”
E lá estava uma florzinha colada.
Foram 4 ou 5 bilhetes, não sei ao certo, um a cada segunda-feira, mas todos com uma “inovação tecnológica diferente”.
Eu só descobri quem era a menina que mandava os bilhetes porque a nossa colega Marilene, filha de tia Nite, me contou.
Tratava-se de uma prima de Jussara, logo, prima de Xandão também.
E também descobri que ele tinha ciúmes dessa prima.
E mais, que ele havia descoberto “o crime”, ou seja, ele soube dos bilhetes.
Aí eu passei a correr de Xandão novamente e o meu primeiro selinho foi, mais uma vez, adiado.
Que sina!
Como Xandão me apavorava eu resolvi encontrar uma solução para o caso dele querer me bater de novo e, então, eu resolvi falar com Adão, que era um amigo meu. Ele, como Xandão, também era gordinho, mas estudava noutra sala, noutra série, e era daqueles que jogavam bola com a gente, tanto na escola, como também num campinho de terra, o Botafoguinho.
Todo mundo sabia, pelo menos naquela época, que Adão não comia “reggae” de seu ninguém, embora fosse gente boa e vivesse sempre sorrindo.
Estudamos juntos por muitos anos, tanto no Juvêncio Terra como na UESB, onde ele foi o meu calouro na faculdade de Agronomia.
Sim, eu já estudei Agronomia.
Hoje, Adão está no céu, foi morar com Deus.
Ele só pegava ar em dois casos: o primeiro, quando a gente perguntava se ele gostava de dormir em caixão!
Era uma brincadeira, mas como ele morava ao lado de uma funerária, não poderíamos perder a piada e o bicho virava uma arara.
O segundo vou contar agora.
Foi por conta desse segundo caso que aconteceu a única desavença que tivemos na vida.
Uma bobagem, vejam vocês.
É que eu, assim como muitos de nós, sempre tive mania de abreviar as palavras, coisa de baiano/nordestinho da gema.
“Óli”, é olhe ali. “Óqui”, é olhe aqui. E “oxe”, é oxente.
Eu só não sabia que eu também abreviava o “vixe”!
Daí um dia saímos do Juvêncio e fomos comer “batatas em conservas” no bar do finado Sr. Mário, que ficava ali na lateral da casa de Maiana, bem pertinho do Juvêncio mesmo.
As batatas eram deliciosas e Adão era guloso, de sorte que até hoje eu não sei se ele era gordo por ser guloso ou se era guloso por ser gordo, tipo Tostines.
Como ele ainda estava de boca cheia e resolveu avançar na minha batata, eu falei: “viii” Adão, essa aí é minha.
Mas, juro, a minha intenção era apenas ter dito “”vixe”, Adão, essa aí é minha”.
Penso que não, lá vem Adão com as ventas abertas para cima de mim que nem tinha feito Xandão naquele outro dia.
Eu, nervoso, tentei acalmá-lo dizendo ““viii” Adão, ““óli” a batata Adão, pode comer, pode comer tudo, pode comer tudo, Adão”.
Mas ele já tinha pegado ar que nem um balão e não parava de repetir “cê tá me zoando”, “cê tá me zoando”, no que eu contestava: “tô não! Tô não!”… “”viii” Adão, “queta” com isso, “queta” com isso, Adão”…
“Viiii” Adão, deixa de ser besta, Adão”…
Como não poderia mesmo ter sido diferente, aí quem pegou ar foi o Sr. Mário, que deu um tabefe no balcão e gritou: “aqui não! Ceis quer brigar, ceis vão lá pra fora”!
Ah, fiquei retado, porque eu, de novo, era inocente. Entufei e calei.
Adão, calou também.
Quando estava tudo serenando, nós dois sentados, com as cabeças baixas, alguém chega berrando: “Sr. Mário, batatas”!
Era Xandão.
Adão levantou a cabeça e primeiro fixou os olhos em mim. Aí olhou para Xandão e disse: mata!
Eu só pensei: pernas? Pernas pra quê te quero…
Fui, sem olhar pra trás!

Tairone Ferraz Porto
Advogado


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