Edvaldo Paulo de Araújo: Memórias perdidas

Foto: BLOG DO ANDERSON

Edvaldo Paulo de Araújo

O tempo passou, as aflições da vida, o prosseguir sempre, a falta de estar contigo, a necessidade de estar sempre com toda espécie de barulhos, suas memórias mais lindas, mais importantes, elas se perdem. O mundo atual e o seu modelo de vida que nos impõe, as dificuldades da sobrevivência e a farta disponibilidade de entretenimento, o culto ao corpo sem precedentes em detrimento de cultuar a mente, estudar, ler como passatempo, tudo isso tem-nos colocado numa frenética vida, sem deixar espaço para pensarmos, oportunidade de recordamos fatos sublimes da nossa vida. Perdemos alguns hábitos, como sentar com aqueles de nossa família, principalmente com nossos pais, e recordamos a nossa infância, mesmo que difícil; é como um filme do passado a nos mostrar de onde viemos e quem somos. Leia a íntegra.

Hoje meus pais estão do outro lado da vida. Imagino, muitas vezes, a oportunidade de conversar com eles, fazer-lhes algumas perguntas, saber o desenrolar daquele episódio, o final daquela história. Existe em mim apenas o arrependimento de não ter ficado mais com eles, mesmo tendo sido um filho presente, mas não tanto como gostaria. Fico triste, ás vezes, pela falta da clareza das lembranças, as quais chamo de memórias perdidas.

Vivemos uma vida cotidiana, conformista, escorada em compromissos rotineiros. Chega o final de semana, encostamos na preguiça como descanso e não criamos uma rotina de inovações e momentos que tornem nossa vida mais viva, mais iluminada, mais eloquente. Vivemos sem acontecimentos que fogem do “normal”. Isso nos deixa sem memórias, sem lembranças significantes, sem momentos que chamamos de inesquecíveis. Por viver assim, vamos ficando sem memórias, por quê? Porque a nossa memória só registra o que significa muito para nós. Uma série de fatores, dentre eles a própria violência, vai nos levando para uma prisão doméstica e lá ficamos presos nas mídias sociais e nos perdemos em contatos eletrônicos, sentados numa cadeira confortável e de frente da TV trocando de canais. O pouco que temos de lembranças que se destacam vai ficando muito longe no passado e vamos perdendo as nossas memórias, registros que fizeram a diferença em nossas vidas, quando nos momentos de silêncio volto ao passado e busco sempre minhas lembranças, umas de meus amigos e a maioria das minhas dezenas e dezenas de viagens por países, cidades, lugares, aventuras. Esses dias, fiquei horas me lembrando da minha aventura numa floresta, o Parque Pytiviska, na Croácia, me emocionei ao vivenciar aqueles momentos belos, cansativos, extenuantes. Me lembrei de uma linda cachoeira ainda na Croácia que visitei há um certo tempo depois de uma longa caminhada, onde tive um banho revigorante. Me senti tão feliz, me senti bem, humano, e ainda me recordo do gosto da água e da sua doçura ao banhar o meu corpo cansado! Não queria sair dali. Excelentes lembranças da Croácia e sua gente aguerrida e sofrida de uma guerra terrível, onde membros das famílias pertenciam aos dois lados. Me lembro da narrativa de dona Mercedina, interrompida pelo seu marido, ao dizer: – passado fica lá no passado. Entendi o seu apelo, pois o sofrimento é indescritível ao lembrar, ao buscar as memórias tão trágicas.
No seu texto (Circunstância), o escritor Marcial Jardim, diz que ,”em nosso dia a dia , envolvidos e questionados pelos chamamentos insistentes da matéria efêmera falaciosa, por ela distraídos, não nos apercebemos das horas, dias, meses, anos passarem no calendário do tempo, compenetrados que estamos na solução das, por vezes, questiúnculas que o mundo é perito em nos sugerir, em nos propor.

Vivenciando circunstâncias as mais diversas, compatíveis com este planeta de provas e expiações no qual militamos, vamos exercitando nossas almas, pelos palcos da vida, como personagens atuantes interagindo com as pessoas, com o mundo, em busca da tal felicidade”

A maioria das pessoas chega numa etapa da vida e olha para trás, tenta buscar, nas memórias, algo significativo, algo que marcou a sua existência: um amor vivido, um rosto querido, um abraço sentido, uma recordação marcante, e verifica tristemente que teve uma vida sem cor. Muitas vezes, quando ainda jovem ou em plena vida, deixa sempre tudo para depois como se fosse dono do tempo; aí acorda e verifica que não tem mais tempo. Uma doença, uma fatalidade, coloca, no seu colo, a efemeridade da vida, um tempo que pensava existir, mas não mais existe. Viver é muito diferente de existir. Viver já diz: movimento, ação, participação com toda efetividade em sua vida, tornar a sua vida algo significativo e belo, ser exemplo de dignidade na condução desse bem tão precioso. Ao invés de acumular bens perecíveis, valores que nada significam nas suas memórias, acumular memórias vividas, espetaculares, emocionantes e o absoluto gosto de um dia sentar numa varanda qualquer e deixá-las chegar para reviver um passado glorioso, cheio de emoções dignas de ser vividas novamente, ora vividas nas suas lembranças que se transformam em suas memórias.

No livro “UM DIA MINHA ALMA SE ABRIU POR INTEIRO”, de IYANLA VANZANT (Gmt Editores Ltda), a brilhante escritora nos fala da CRIATIVIDADE, tão necessária no nosso viver.

“O Divino passou às criaturas humanas sua habilidade criativa para que completássemos sua obra. Para isso, o Divino nos deu a capacidade de conceber, expressar e usufruir os resultados de nosso poder criativo. Nós criamos através do pensamento, da palavra e de atos. Cada um de nós está aqui para revelar o ideal criativo Divino. Além da criação artística, estou falando da nossa capacidade de criar um ambiente mundial que reflita ideais divinos como o amor, a paz, abundância, a alegria, a harmonia e o poder. Há um certo espanto quando menciono o poder, porque, na maioria das vezes, ele é usado para dominar, ou em proveito de poucos. Mas o poder usado de forma divina cria justiça, solidariedade e paz”

“A maioria de nós desenvolve um padrão de pensamento e de comportamento, e acredita que ele não pode ser mudado. Nossos pais fizeram assim, imitando os pais deles, e agora somos nós que repetimos esses pensamentos e ações.”

Há um texto meu, publicado há muitos anos, que se chama “Seja o herói da sua história”, onde faço o chamamento para a diferença, para a atividade digna, para a movimentação e o uso da sua criatividade na busca de fazer algo diferente, que o faça sentir orgulho, prazer de lembrar os atos que fizeram diferença em sua vida e na vida dos seus. A vida é um bem inestimável, inigualável, extraordinário, e não podemos desperdiçá-la na mesmice. Na nossa simplicidade, humildade, na mais absoluta falta de recurso, aí nasce maior a criatividade de realizar, de viver, de acumular memórias por atos heroicos que representam muito na vida do mundo e das pessoas. Temos o imenso desejo de fazer algo extraordinário, que gostaríamos de lembrar e através do qual sermos lembrados, mas pequenos gestos, pequenas atitudes, muitas vezes são atos heroicos e dignos de serem lembrados.
Viva e acumule tudo nas melhores memórias.


3 Respostas para “Edvaldo Paulo de Araújo: Memórias perdidas”

  1. SIMONE PEREIRA DOS SANTOS

    Me emocinei…
    Gratidao pelo belíssimo texto.
    Ainda dar tempo viver ao Ives de só existir…
    Nem que seja segundos,minutos…
    Desde que consigamos despertar dos tempos frenéticos que insistem em nos evaziar .

  2. ALMIR FERRAZ BARRETO

    Parabéns , belas e sábias palavras!!!

  3. ALMIR FERRAZ BARRETO

    Parabéns , sábias palavras!!!

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