Jeremias Macário | o atraso e o moralismo num país cristão de heranças conservadoras

Foto: BLOG DO ANDERSON

Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor

Na verdade, alimentamos diariamente nossos espíritos de mentiras, até nas juras de amor no altar, como bem disse o nosso cancioneiro do rock Raul Seixas, e nas histórias dos vencedores contra os vencidos, dos brancos com relação aos índios, enganados com presentes fajutos. Mentimos nas trapaças e ainda queremos impor nossa moral. Tentamos enrolar o meio ambiente, mas este nos dá o troco. Pouco evoluímos, se mentimos para nós mesmos.   Todo atraso e moralismo de uma sociedade cristã-judaica foi exportado de Portugal para o Brasil quando aqui aportou Cabral com suas naus. A primeira chaga se deu com a escravidão a partir do século XVI, um sistema que durou cerca de 350 anos, o último a ser “abolido” no hemisfério ocidental, mas que ainda persiste de forma estrutural e institucional por uma elite egoísta que se acha raça superior e recusa mudar seus conceitos medievais de propriedade. Confira a opinião do jornalista Jeremias Macário de Oliveira.

  O atraso e o moralismo andam de mãos dadas e criaram um quadro desumano e cruel. Na escravidão, a Igreja Católica foi conivente e ainda exerceu fortemente o papel de escravista, até fazendo parte do tráfico negreiro. Hoje pede perdão pelos males, mas continua em seu pedestal confortável conservadorista, fora algumas ações pontuais. Na cisão luterana do século XVI, as ideias de renovação transformaram os evangélicos de hoje num bando de fanáticos extremistas, com algumas exceções de pastores com outra visão mais moderna.

  Outra marca registrada foi o patriarcalismo coronelista corrupto e trambiqueiro, que até nos tempos atuais perdura, por mais que se tenha combatido e contestado. Ainda não inventaram uma substância química para limpar essas nódoas. Essas pragas sempre receberam a cobertura do moralismo e da impunidade, protegidos por um paradoxo de montanhas de leis criadas para serem burladas pelos poderosos.

    Nesses 522 anos continuam vivos o atraso e o moralismo, este mais que safado e promíscuo de duas faces. Uma com aparência de bom cristão que disfarça seu racismo e homofobia quando o indivíduo diz numa entrevista que não carrega consigo o preconceito. A outra face está oculta quando se fala uma coisa para ficar bem na imagem da entrevista e se faz outra totalmente diferente entre quatro paredes. É o cruzamento entre dois animais de espécies diferentes que só gera aberrações.

      Nos últimos anos temos visto estes atrasos e moralismos se expandirem cada vez mais. São inúmeros os casos que podemos aqui citar sem pejo de dizer que vivemos num país que nos envergonha. Um deles é a pobreza extrema de famílias com numerosos filhos, justamente dentro de um cenário de fome, como do menino de cinco irmãos com um celular que pede socorro à polícia por comida. Fica a interrogação sobre qual a prioridade, o aparelho ou o alimento, sem contar que existem milhões na mesma situação? Na mentalidade cristã, não deve haver controle de natalidade através dos métodos científicos.

     Outro moralismo irracional é a criminalização das drogas ditas “ilícitas” cunhadas pelo sistema, mas a liberação de outras até piores com direito a propagandas e incentivos do capitalismo. É um atraso e absurdo como tratam a maconha até hoje, vista como coisa do demônio. Para se obter o óleo da canabis com fins de tratamento de crianças autistas e pessoas que sofrem de epilepsia, convulsões e outros transtornos parecidos, é preciso ter a liberação da Anvisa e autorização da justiça superior. Não é um atraso moralista?

     Há cinquenta anos ou mais já se gastaram bilhões de reais com tanques, fuzis, metralhadoras e soldados nas ruas e favelas para combater o tráfico de drogas, com resultados cada vez mais nefastos, como os massacres e as matanças, sem considerar o crescente aumento desse comércio entre os bandidos. A ponta dos negociantes é relegada a segundo ou terceiro plano. Esse esquema estúpido não solucionou o problema, muito pelo contrário.

    Para o Estado e o “cristão” moralistas fariseus, a descriminalização das drogas é um palavrão e coisa de comunista marginal. É para quem está com o satanás no corpo, ou é ateu. Do outro lado, consentem, permitem e fazem vistas grossas para as bebidas alcoólicas e outros vícios consumidos largamente, inclusive entre jovens menores nas baladas das noites etílicas de “músicas” levianas com sentidos de até violência.

     A publicidade é proibida para o cigarro, mas não para a cachaça, o uísque e a cerveja. Prostituta é quem vive no prostíbulo, tratada com desprezo e discriminação. Mulher de programas é uma profissão sofisticada e até respeitada pelos moralistas de plantão. Servem de companhias para altas negociatas irregulares, para depois serem usadas nas comemorações.

No fim, somos todos escravos do moralismo que há séculos se enraizou em nossos conceitos de falsos espíritos cristãos, os quais vão para as igrejas, rezam, mas quando saem dali, se for preciso, passam a rasteiro no irmão do lado, por dinheiro ou interesse individual.

  Fazemos de conta que vivemos numa plena democracia, mas todos os dias estamos violando os direitos humanos, negando a educação, explorando os trabalhadores, convivendo com a fome e os bárbaros crimes como coisas naturais. Trocamos o certo pelo errado e o normal pelo anormal. Um dos piores moralismos é o silêncio dos bons que proporciona o crescimento do mal.


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