Jeremias Macário de Oliveira | o Cangaço Nordestino e o urbano onde o povo vive no fogo cruzado

Foto: BLOG DO ANDERSON

Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor

Numa análise antropológica, existem muitas semelhanças entre o cangaço nordestino dos finais do século XIX até meados do século XX, com a evolução acelerada do “cangaço” urbano. As maiores delas estão nas causas do abandono dos governantes e nas injustiças sociais que geraram a pobreza e a miséria. Os cangaceiros se autodenominavam de governadores e reis dos sertões, enquanto o “cangaço” urbano, com seus chefes das principais facções de traficantes (PCC e Comando Vermelho), criou um Estado dentro do Outro, com suas próprias leis de domínio onde o povo é extorquido e se tornou propriedade privada deles. Continue a leitura do artigo de Jeremias Macário de Oliveira.

Tanto num, como no outro, com nuances políticas, personagens e características diferentes, de acordo com as mudanças do tempo, foi a lacuna do Estado que pariu os dois monstros. O nordestino durou cerca de 100 anos e só se acabou com a união de forças central e estadual. O urbano já ultrapassou a metade desse período e não se sabe quando termina.

Os dois são parecidos em termos de operações letais de forças policialescas desordenadas, desastradas e agressivas onde a população encurralada é a maior vítima. Quando acossados, os cangaceiros fugiam para dentro da caatinga. Os bandidos do tráfico procuram os morros de matas. Lá atrás usavam rifles e punhais. Hoje são armas sofisticadas e potentes.

Sobre estas duas espécies de banditismo daria para se elaborar uma tese acadêmica de mestrado ou doutorado, mas vamos nos ater ao “cangaço” urbano, mais especificamente à última operação policial do Rio de Janeiro que matou mais de 100 pessoas, uma carnificina, onde o que mais se viu foi um bate-boca político entre o governador da capital e agentes do governo federal num país polarizado de ideologias radicais de ambas as partes.

Dizem que esta operação foi a mais letal na história do Rio de Janeiro, mas outras virão enquanto perdurarem os mesmos métodos de violência contra violência, e os governantes se aproveitarem para delas capitalizarem votos e não ocuparem os espaços sociais e educacionais invadidos pelo banditismo. O povo vai continuar na linha de fogo e submisso aos comandos das facções.

De um lado, a extrema direita fascista que nem está aí para a questão dos direitos humanos e termina alimentando a criminalidade. Do outro lado, uma esquerda com um discurso atrasado, arcaico, bolorento e também radical que não mais convence o povo, abandonado ao Deus dará. Nesse ritmo, vai perder as eleições para o nazifascismo.

Ao lado das cenas de terror que paralisaram quase toda capital carioca e foram divulgadas pela mídia internacional, tivemos os desencontros de informações entre os governantes, um acusando o outro, cada um com seu tom político num território de terra arrasada.

Vimos um ministro da Justiça, que pouco entende de segurança pública, dando uma reprimenda em público em um diretor da Polícia Federal, com notas soltas e desconexas. Um governador gaguejando, mentindo descaradamente e atacando o Supremo Tribunal Federal que proibiu operações com tanques.

Por sua vez, os comandantes das polícias do Rio alardearam que a operação foi um sucesso, contando vantagens táticas para exterminar, de qualquer forma, os bandidos (não se sabe ainda do sacrifício de inocentes). O espetáculo de exibição para os soldados mortos contrasta com corpos estendidos nas ruas e portas dos hospitais. Tristes imagens para o país e para o mundo.

Apreenderam um punhado de fuzis e alguma quantidade de drogas que pouco fazem falta ao potencial do Comando Vermelho. A grande mídia marrom capitalista toda vez faz sua parte sensacionalista. As forças entraram e retornaram para seus quarteis, deixando a população refém dos traficantes e correndo risco de vida.

Por pressão, as duas partes se sentaram numa grande mesa de caciques, resultando num encontro fracassado que apenas criou um tal de escritório de emergência, ou sei lá que nome se dá a essa palhaçada. O governo federal remeteu uma PEC ao Congresso Nacional, o pior de todos, onde o ponto maior é aumentar as penas ao crime organizado.

Isso é ridículo para não se dizer hilário, como se o bandido, com uma extensa ficha de criminalidades fosse se intimidar com mais um acréscimo de anos na cadeia. Tudo é surrealista enquanto os dois lados permanecem se digladiando.

Querem combater o banditismo através de leis e decretos, ao invés de ações de práticas sociais, educacionais, econômicas e segurança pública permanente, para ocupar o espaço que lhe é de dever das favelas e devolver ao povo a esperança de vida digna perdida ao longo desses anos de violência.
Dessa forma, enquanto houver essa polarização radical, discursos ultrapassados e a falta de união das forças em benefício de um povo massacrado pela brutal violência, o “cangaço” urbano e as operações letais exterminadoras de vidas humanas irão continuar.

Deixar uma Resposta