Direto da Praça

Por Paulo Pires

Direitos Humanos, Obrigações Humanas

Há alguns anos, um ensaísta americano cujo nome me foge à memória escreveu sobre a sociedade reivindicativa que se instalou nos EUA. No bom ensaio, o autor se declarava intrigado com o paradoxo de se viver em uma sociedade que incorporou em sua mentalidade um modelo de exigência social que a todo instante reivindica para si “todos os direitos”. Possíveis e impossíveis. Isso mesmo. Naquele momento ficou revelado para o resto do Planeta que a América constituía-se em um Estado onde  todas as pessoas, indistintamente, reivindicavam para si o máximo  de direitos  pessoais. Em outras palavras, pode-se dizer que no início dos anos de 1970, os americanos de forma implacável adotaram um famoso lema, o mais propalado na Paris de 1968: “Seja realista, exija o impossível!”.

Como diria Monteiro Lobato: Isso é bom e ao mesmo tempo é mau. Bom porque todos podem levantar sua bandeira de descontentamento e expressar-se indignado com fatos, objetos e acontecimentos que estejam em desacordo com o que está vivenciando. Mau porque nem tudo que nos descontenta, pode ser resolvido conforme os nossos desejos. E aí, é onde reina o perigo. Quantas e quantas coisas não estão conforme nossos desejos, mas que infelizmente somos obrigados a engoli-las.  Pois é isso aí. Existem dezenas, centenas de coisas que não nos satisfazem e nos contrariam e que infelizmente não podemos modificá-las porque isto exigiria ações que estão a centenas de milhas do nosso alcance.

Na atualidade, entre as questões que parecem sem solução, creio que a mais gritante no Brasil de hoje seja a Violência. Estamos vivendo uma verdadeira Guerra Civil. Todos os estados, todas as cidades de médio porte prá cima, estão vivendo verdadeiros pesadelos com a delinquência que cresce e evolui na incrível velocidade das progressões geométricas. A violência no Brasil é uma salada indigesta que tem como condimentos a questão econômica, falta de planejamento familiar, desagregação social, evasão escolar por causa de currículos desvinculados da realidade, políticas educacionais que pouco valorizam o professorado, ausência de programas governamentais voltados para assistência a jovens e adolescentes, legislação complacente ao extremo [a nossa parece os dez mandamentos da maternidade apaixonada],  baixo empenho dos governos (ou falta de visão e estratégias para soluções de curto, médio e longo prazo) e outros problemas que redundam em um cenário de marginalização quase que generalizada. A maioria dos jovens das periferias  compreendem desde cedo a impossibilidade de serem reconhecidos como cidadãos dentro de um Estado que apresenta-se para eles, como um Leviatã altamente marginalizante.  Isso mesmo, a rapaziada da periferia percebe ainda adolescentes que as suas chances de se tornarem cidadãos dentro deste modelo de Nação [Estado]  são mínimas.

Como disse o prof. Hélio Jaguaribe, “um rapaz com uma expectativa e uma perspectiva dessas, não tem a menor ilusão de que suas chances “de virar gente”, são reduzidíssimas”. É neste  ambiente e com este perfil que o bandidão profissional fareja e detecta o seu futuro comparsa. Ao se aproxima do jovem, oferece-lhe um “pau de fogo potente”  dá-lhe uma bolsa com crack, cocaína e maconha, uma moto, uns trocados antecipados para sua manutenção e aí, aquele adolescente que vivia sem nenhuma perspectiva de ser identificado como gente, logo começa a se perceber com um “sujeito poderoso”. Ele nem sabe, mas nesse momento, o seu pensamento reelabora uma reflexão do velho Maquiavel: “E melhor ser temido do que ser amado”. Ele que era um Zé Ninguém (ou Paulo Ninguém) agora passa a ser reconhecido em sua comunidade como um sujeito “que merece respeito”. Para ele é a glória, sua consagração existencial. Agora sim, ele é gente. E gente respeitada. Se alguém de seu círculo de amizade ou familiar se aproximar para lhe falar do perigo em que está se metendo recebe logo a resposta de que “Morrer todo mundo vai. E é melhor morrer com grana e poder, do que aceitar a vida medíocre em que sempre esteve metido”. Em tese o seu raciocínio  é correto. O moço nasceu mal, mora mal, come mal, veste-se mal. Enfim, tudo dele é de quinta categoria. Portanto, a sua cabeça raciocina com a seguinte lógica:, “Mesmo que seja por pouco tempo, é muito melhor arriscar e curtir o que estou curtindo agora, do que continuar com aquele conformismo em  que eu vivia”. Arranja uma namoradinha também alienada [com uma criação idêntica à dele]  e à medida que o tempo passa, curtem as delícias dos bons motéis, das boas cervejadas e por aí a fora. Claro que um dia, a casa cai. Mas pelo menos ele “reagiu” ao pobre mundo a que estava condenado.  Se escapar da morte, como ocorreu com o valente Jararaca, terá como consolo e companhia de algumas instituições de Direitos Humanos. Claro que antes dessas Instituições ele não  recebeu nenhum ensinamento adequado ou pelo menos não aprendeu nenhuma lição de Entidades que incutisse em seu espírito os capítulos referentes as  Obrigações Humanas. É a esse cenário que chamamos de Estado de Direito.  Como diria o Cansadinho:  “O Direito de ser torto”.


Uma Resposta para “Direto da Praça”

  1. backpacking tent1778

    I am so happy to read this. This is the kind of manual that needs to be given and not the random misinformation that’s at the other blogs. Appreciate your sharing this best doc.

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