Das coisas que eu poderia falar sobre a redução da maioridade penal

Foto: Blog do Anderson
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Pedro de Souza Fialho

Há um sem fim de coisas das quais se poderia falar quanto ao tema da redução da maioridade penal. Poderia falar que a regra constitucional referente à maioridade penal se constitui em uma garantia fundamental, integrando o núcleo essencial da Constituição Federal, integrando o que chamamos de cláusula pétrea, regra que não pode sofrer qualquer tipo de modificação. Leia na íntegra a opinião do defensor público Pedro de Souza Fialho.

Poderia falar que todo o processo de construção política do Estado moderno se faz com movimentos de caráter majoritário e contramajoritário, e que há direitos que, por definição, se preservam frente a maiorias eventuais. Não fosse assim, talvez algumas “maiorias” hoje vistas como ultrapassadas ainda impedissem o voto das mulheres, a presença de pessoas negras em espaços públicos ou mesmo a ocorrência da pena de morte. A simples e alegada “maioria” não autoriza, por si só, a redução da maioridade penal.

Poderia falar que o Brasil é signatário de importantes documentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos e Direitos das Crianças e Adolescentes – a exemplo da Convenção sobre os Direitos da Criança[1] – cujo conteúdo recomenda – e mesmo impõe – o reconhecimento de estratégias e opções que preservem ao máximo as medidas que não importem em prisão e sejam produtivas no incremento da cidadania.

Poderia falar que mesmo após 25 anos de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente não tem a completa implementação dos direitos ali descritos, seja em sua parte protetiva, ou mesmo no que diz respeito a seu sistema infracional.

Poderia falar que Segundo números do Ministério da Justiça[2], no ano de 2012 foram registrados 524.728 crimes tentados ou consumados no país, enquanto no mesmo período, segundo dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República[3], foram registrados 21.744 atos infracionais.

Poderia falar que não são os adolescentes brasileiros que matam, na verdade é a juventude, especialmente a juventude negra e menos favorecida, que morre vitimada por toda a sorte de violência!

Poderia falar do indigno e vergonhoso sistema prisional brasileiro, onde em lugar a (re)integração social do cidadão preso (sim, pasmem, ele é um cidadão), o que prolifera é a reprodução de uma estrutura social marginalizante, excludente e potencializadora dos sistemas criminosos.

Poderia falar que formulações mais gravosas de nosso sistema penal, por costumeiro, se prestam a encarcerar – e com isso desumanizar – essencialmente os mais desprotegidos socialmente. E para observar tanto, basta analisar os dados do Observatório de Prática Penal da Defensoria Pública do Estado da Bahia – http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/index.php?site=2&modulo=eva_conteudo&co_cod=11122

Poderia falar que o propalado argumento de que “quem pode votar já pode ser preso” confunde aspectos absolutamente distintos da construção da cidadania e da própria vivencia em sociedade. Consciência individual, seja para compreender o fato tido como ato infracional ou para exercer o direito ao voto, não se confunde com a resposta do Estado para o cometimento de fato tido por socialmente reprovável.

Poderia falar que o argumento comumente utilizado de que a prisão do “infrator” seria uma resposta ao que a vítima trabalha na experiência da vingança, sentimento reprovável sob qualquer ótica que e utilize e essencialmente quando estejamos discutindo a política governamental no que diz respeito às condutas socialmente reprováveis. Isso sem falar que justiça e vingança são (deveriam ser) parâmetros praticamente opostos.

Poderia falar que, em minha experiência pessoal de Defensor Público da Infância e Juventude da cidade de Vitória da Conquista desde Outubro de 2012, na qual devo ter atuado na defesa de não menos que 90% dos adolescentes acusados do cometimento de atos infracionais, observei grandiosa quantidade de jovens que encontraram a restruturação de suas vidas. E até hoje não encontrei esse dito adolescente que, deliberadamente e diante de muitas oportunidades, escolheu de forma totalmente livre e consciente manter-se nas estruturas de condutas delitivas.

Poderia falar que o NÃO a redução da maioridade penal é compartilhado. Acompanho postura já exposta pela Defensoria Pública Especializada nos Direitos da Criança e do Adolescente (DEDICA) que divulgou nota de repúdio à PEC 171/93 (http://www.defensoria.ba.gov.br/portal/index.php?site=1&modulo=eva_conteudo&co_cod=12742); pela colega Defensora Pública Estadual Bethânia Ferreira (https://fatosepoints.wordpress.com/2015/05/11/cidadania-por-bethania-ferreira-porque-nenhum-anakin-nasce-darth-vader/), pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP http://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/22511/Porque_n_o___redu__o.pdf), pelo Conselho Nacional de Educação (CNE – http://ens.sinase.sdh.gov.br/index.php/component/content/article?id=163) pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB http://www.cnbb.org.br/imprensa/noticias/11999-nota-da-cnbb-sobre-a-reducao-da-maioridade-penal) pelo Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa ( http://www.icp.org.br/noticia/345/reducao-da-idade-penal-vale-a-pena-ver-de-novo), dentre várias outras entidades, estudiosos do tema e representantes da sociedade civil.

De certo, poderíamos falar ainda mais. Trazer ainda mais dados, observar ainda mais de nossa história, remeter ainda mais a nossa memória e até pontuar mais experiências próximas.

Mas talvez o essencial ao se falar sobre redução da maioridade penal seja pensar em que tipo de mundo pretendemos viver e que tipo de ser humano pretendemos ser.

Em um dos trechos mais significativos de “Os Irmãos Karamázov”, Ivan Karamázov, provocativo frente a uma vida que lhe oportunizava menos do que pensou lhe ser devido, afirmou, do alto de seu cinismo que, amar a humanidade é fácil, difícil é amar o ser humano.

 

Talvez responder “não” quanto à redução maioridade penal represente tão somente a exata medida de nossa consciência, do controle cinismo dos nossos tempos e revele a dimensão de nossa humanidade.

Estejamos preparados então para nos revelar com nossa resposta, amanhecendo sem qualquer receio de nossa primeira aparição frente a nossos espelhos.

Pedro de Souza Fialho

Defensor Público Estadual da Infância e Juventude

Defensoria Pública Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm

[2] Fonte: Ministério da Justiça/Departamento Penitenciário Nacional – Depen; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Referências: jun./2012 e jun./2013.

[3] Fonte: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH/PR/Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA. Levantamento nacional do atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 


4 Respostas para “Das coisas que eu poderia falar sobre a redução da maioridade penal”

  1. Alan

    Dr. Obrigado por fazer um grande trabalho! Fica com Deus agora e sempre abraço de uma pessoa que um dia VC protejeu vlwww…..

  2. claudete guimaraes

    Parabéns, Dr. Pedro de Souza Fialho
    Concordo integralmente com vossa opinião a respeito da redução da maioridade penal. Certamente que enquanto psicóloga e psicanalista, há aproximadamente 35 anos escutando adolescentes nos serviços de atendimento ao público na Bahia, poderíamos trazer mais um sem fim de coisas que nos levaria a dizer NÃO a esta iniciativa daqueles que parecem levianos, diante da gravidade de tal questão.

  3. Aline Oliveira

    Nossa! Isso é que é esclarecimento! Tomara a maioria de nossa população lessem essas informações! Por que as pessoas julgam sem conhecer o assunto. Apenas baseadas em suas revoltas de acontecimentos. Querendo soluções imediatistas , sem discutir as causas e consequências. E DIGO MAIS, VOTAR ESSA LEI SIGNIFICA TIRAR OS GOVERNANTES E O ESTADO DE SUAS OBRIGAÇÕES. PRINCIPALMENTE DE CUMPRIR AS LEIS JÁ INSTITUÍDAS NO QUE TANGE À ESSE RESPEITO.

  4. Sandra

    Texto perfeito!

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