Jorge Maia: Palavras esvaziadas

Foto: BLOG DO ANDERSON
Foto: BLOG DO ANDERSON

Jorge Maia | Professor e Advogado | [email protected]

Eu era menino, e não faz muito tempo, e ouvi uma narrativa de um amigo que estudava no Ginásio Conquista mais conhecido pelo nome de “Colégio do Padre”. O Colégio foi criado pelo Padre Palmeira, figura sobre a qual há muitas histórias interessantes, e serviu de referencias para muitas gerações. Naquele tempo os homens estudavam pela manhã e as mulheres no vespertino. Naquela época o uso de palavrões era algo profundamente proibido, apenas em recintos fechados, ou em voz baixa é que eram proferidos. Usá-los em público denegria a imagem de quem o fizesse, e certamente não seria uma boa companhia para os filhos cujos pais zelassem pela imagem da família. Os palavrões tinham forças mortais. >>>>>

O mundo mudou. As palavras não têm mais o poder de ferir como antigamente, perderam a capacidade de produzir alguns efeitos, atingindo apenas a algumas pessoas mais sensíveis, cujo número vem diminuindo aos poucos. Basta ouvir os ataques que senadores e deputados apresentam em seus debates e será fácil perceber que o palavrão está desmoralizado. O bordão agora é: paus e pedras ferem os meus ossos, palavras não.

Em uma manhã qualquer daquela Conquista de antigamente, a professora de Língua Portuguesa entrou na sala de aula. Os alunos trataram-se de arrumar, ocupados os seus lugares, naquele burburinho normal de inicio de aula, alguns ainda sem perceber que a Professora já estava em sala e continuaram conversando.

O Diretor do Ginásio era o Professor Jorge Palmeira, figura conhecida por seu valor de educador, mas também pelo tradicional terno branco e chapéu tipo panamá. Muito rígido em sua administração, era temido pelos alunos, os quais lhe dedicavam muito respeito.

Enquanto a Professora arrumava a sua mesa, um dos alunos que não percebera a sua chegada em sala de aula, brincando com um colega, disse que determinada situação era uma esculhambação. Senhores! Não é possível informar hoje em dia o absurdo que significava a palavra esculhambação. Era algo tão profano que dificilmente a alma escaparia do castigo do inferno.

Ao ouvir aquela palavra a Professora pediu a um aluno que chamasse o Diretor para vir em sala resolver aquele problema. O aluno dirigiu-se à diretoria, informando que um aluno dissera esculhambação em sala e que a professora queria a presença do Diretor em sala para resolver o problema.

O Diretor, com ar enfurecido, entrou em sala, abriu o paletó, descansou as mãos na cintura e disse, quase gritando: que esculhambação é esta? A Professora, em estado de choque, recuperou-se, e disse: nada Diretor, tudo já foi resolvido. Aquele aluno e aquela Professora talvez não saibam a esculhambação que hoje o mundo virou. 190616

 


Os comentários estão fechados.