Improbidade Administrativa: MP-BA recomenda que Herzem revogue Edital de Licitação para contratar vans

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Marcado para a próxima quarta-feira (2), o Edital de Licitação Concorrência Pública Nº 001/2018 para regulamentar o Transporte Alternativo através de vans, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) acaba de recomendar que o prefeito Herzem Gusmão Pereira suspenda esse processo. “Licitação para seleção de pessoas físicas aptas a operarem o transporte de passageiros no serviço de transporte seletivo complementar. Ausência de estudo técnico preliminar de impacto no equilíbrio econômico-financeiro dos atuais contratos de concessão de transporte público coletivo. Existência de pretensões indenizatórias judicializadas pelas concessionárias de transporte coletivo. Concorrência desleal do transporte irregular de passageiros por automóveis do tipo “Van”. Inexistência de fiscalização efetiva do transporte clandestino pelo município. Possível desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos das concessionárias de transporte coletivo. Dano ao erário. Violação de princípios que regem a administração pública. Ato de improbidade Administrativa”, diz o trecho do documento assinado pela Promotora de Justiça Lucimeire Carvalho Farias. “A promoção das medidas administrativas necessárias para a decretação da REVOGAÇÃO do Procedimento Administrativo Licitatório de Concorrência Pública nº 001/2018, imediatamente, haja vista a necessidade de prévia elaboração de ESTUDO TÉCNICO de impacto da implantação do serviço de transporte seletivo de passageiros no atual sistema de transporte público, como também em decorrência do imperativo legal de realização de prévia audiência pública, nos termos do art. 39, da Lei 8.666/93, para possibilitar a participação social no debate sobre esta relevante temática”, completa. Confira a íntegra da Recomendação 04/2018.

 

RECOMENDAÇÃO 04/2018

IDEA ICP 644.9.54665/2018

EMENTA. Licitação para seleção de pessoas físicas aptas a operarem o transporte de passageiros no serviço de transporte seletivo complementar. Ausência de estudo técnico preliminar de impacto no equilíbrio econômico-financeiro dos atuais contratos de concessão de transporte público coletivo. Existência de pretensões indenizatórias judicializadas pelas concessionárias de transporte coletivo. Concorrência desleal do transporte irregular de passageiros por automóveis do tipo “Van”. Inexistência de fiscalização efetiva do transporte clandestino pelo município. Possível desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos das concessionárias de transporte coletivo. Dano ao erário. Violação de princípios que regem a administração pública. Ato de improbidade Administrativa.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio da Promotora de Justiça que a esta subscreve, vem, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, em especial a consubstanciada no artigo 129 da Constituição Federal, nos artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, e no art. 75, inciso IV, da Lei Complementar nº 11, de 18 de janeiro de 1996, apresentar as seguintes considerações para, ao final, expedir recomendação.

I. CONSIDERANDO o disposto no art. 37 da Constituição Federal que estabeleceu como princípios constitucionais de observância obrigatória pelos municípios o princípio da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência;

II. CONSIDERANDO que o Ministério Público tem um papel relevante e decisivo na guarda do patrimônio público, no combate à corrupção e na fiscalização do cumprimento da Carta Magna e das leis infraconstitucionais;

III. CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;

IV. CONSIDERANDO o estabelecido nos artigos 129, inciso II, da Carta Constitucional, que atribui ao Ministério Público a função institucional de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”;

V. CONSIDERANDO que a atuação preventiva em defesa do interesse público em geral e dos interesses subjetivos dos cidadãos se impõe, sempre que possível, como forma de garantir a satisfação do bem-estar social;

VI. CONSIDERANDO que o fenômeno social da circulação de centenas de automóveis de serviço tipo “VAN” para o transporte clandestino de passageiros não cessará com a regulamentação e licitação desse serviço público, mas, sim, com a INCONTESTE e EFETIVA fiscalização dos órgãos públicos;

VII. CONSIDERANDO o iminente colapso do sistema de transporte público coletivo deste município, diante das situações apresentadas pelas empresas concessionárias de transporte coletivo, que respondem demandas, na esfera administrativa ou judicial, questionando-se as suas permanências na prestação dos serviços públicos que lhe foram delegados, haja vista que a Viação Vitória responde a Processo Administrativo perante este Município, no qual poderá ocorrer a aplicação da caducidade e a consequente extinção do contrato de concessão, como também que a Viação Cidade Verde responde Ação Popular, na qual se pretende a decretação da anulação do contrato de concessão celebrado;

VIII. CONSIDERANDO que chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça a existência de 04 (quatro) pretensões indenizatórias já judicializadas, duas das quais são as Ações Civis nos 0806795.06.2015.8.05.0274 e 0021385.26.2012.8.05.0274, relacionadas ao desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de transporte público coletivo, que se fundamentam, dentre outros motivos, nas perdas financeiras derivadas da competição desleal do transporte irregular de passageiros promovida por automóveis tipo “VAN”, bem como, até mesmo, por veículos de passeio, corroborado pela patente omissão do Município na fiscalização e coibição desse tipo de transporte clandestino;

IX. CONSIDERANDO que é prudente e até mesmo imprescindível a análise contextualizada do sistema de transporte público desta cidade, fazendo-se necessária a prévia realização de ESTUDO TÉCNICO para o oferecimento do serviço público de transporte seletivo de passageiros, com a avaliação da real demanda do sistema viário, bem como dos possíveis impactos no desenho do atual sistema de transporte público, o qual já se encontra em séria crise, evitando-se que da repercussão dessa reorganização do transporte público sobrevenham prejuízos ao erário municipal por conta de novos ajuizamentos de pretensões indenizatórias;

X. CONSIDERANDO que a ausência de estudos técnicos preliminares podem influenciar, não somente, nos contratos de concessão de transporte coletivo, mas também no próprio equilíbrio econômico-financeiro dos futuros contratos dos permissionários de transporte seletivo de passageiros, ante a inexistência do cálculo estimado das relações entre o custo e demanda do serviço e a tarifa de remuneração;

XI. CONSIDERANDO a necessidade preeminente da administração pública de apresentar estudos técnicos com elementos necessários e suficientes para, com o nível de precisão adequado, caracterizar os serviços que correspondam ao objeto licitado, como também aos eventuais impactos dele derivados no atual sistema de transporte coletivo, pautando-se, assim, por condutas que atendam aos princípios regentes da administração pública, em especial ao da moralidade, publicidade e eficiência, tendo como horizonte a preservação da supremacia do interesse público;

XII. CONSIDERANDO que a probidade administrativa é considerada uma forma de moralidade administrativa, e consiste no dever de servir à Administração com honestidade e lealdade, procedendo no exercício das suas funções sem aproveitar os poderes ou facilidades deles decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer. (Marcelo Caetano, apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 571);

XIII. CONSIDERANDO o disposto no item 5.5, do Anexo I (Projeto Básico do Edital de Concorrência Pública 001/2018), acostado ao procedimento ministerial em epígrafe:

“5.5. Será permitida a utilização de pequenos trechos de vias contempladas pelo STC, desde que não haja outras possibilidades viárias e não cause concorrência direta a esse serviço e em situações extraordinárias, por ato administrativo fundamentado e justificado na garantia da melhor qualidade da prestação do serviço de transporte público a população” (grifos nossos);

XIV. CONSIDERANDO a preocupação, em sede de atuação preventiva, por conta de eventual decisão judicial, no âmbito civil, desfavorável e gravemente lesiva ao patrimônio público, em demanda futura que pode ter o debate de pretensões indenizatórias de milhões de reais proveniente do desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de transporte coletivo vigentes ou de futuras permissões de exploração do transporte seletivo de passageiros;

XV. CONSIDERANDO que o combate aos atos de improbidade administrativa, em todas as expressões previstas na Lei n. 8.429/92 (atos que produzem enriquecimento ilícito, atos que causam prejuízo ao erário e atos atentatórios aos princípios da Administração Pública), mostra-se tanto mais eficiente quanto realizado em caráter preventivo;

XVI. CONSIDERANDO que constitui ato de improbidade administrativa, que causa prejuízo ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da Lei nº 8.429/92;

XVII. CONSIDERANDO que não há que se falar em inocorrência de ato de improbidade administrativa em razão da ausência de dolo, com o afastamento da aplicação da penalidade cabível, haja vista o diploma legal permitir a sua configuração caso verificado o elemento subjetivo da culpa. Na mesma linha, confira-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DEFERIMENTO DE ADICIONAL A CERTOS SERVIDORES QUE, À LUZ DA LEGISLAÇÃO VIGENTE, NÃO FAZIAM JUS AO BENEFÍCIO. PREJUÍZO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO. MEDIDA CABÍVEL NA ESPÉCIE. ART. 10 DA LEI N. 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO. TIPOLOGIA QUE SE SATISFAZ COM A CULPA.

(…)

4. É evidente, portanto, que os réus são beneficiários de ato ímprobo que importou prejuízo ao erário. Também é notório que aos valores ilegalmente recebidos não corresponde contraprestação alguma (ao contrário, os servidores em questão, como narra o acórdão recorrido, receberam o adicional quando já aposentados proporcionalmente – fl. 738, e-STJ).

(…)

6. No mais, esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido, para enquadramento de condutas no art. 10 da Lei n. 8.429/92 (hipótese dos autos), é despicienda a configuração do elemento subjetivo doloso, contentando-se a norma, por sua literal redação, com a culpa. Precedentes.

omissis.”

(RESP 200601102176, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, 08/10/2010);

XVIII. CONSIDERANDO a sábia determinação do legislador federal de prever, quando o valor estimado da licitação for superior a 100 (cem) vezes o limite do convite, a necessidade de que o processo licitatório seja iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados, consoante disposto no Art. 39, da Lei n0 8.666/93, até mesmo porque se trata de serviço público essencial e de grande relevância, cabendo a participação popular nessas decisões administrativas;

XIX. CONSIDERANDO que a exploração do transporte seletivo de passageiros possui a previsão de delegação desses serviços pelo prazo de 05 (cinco) anos, prorrogável por uma única vez e por igual período, nos termos do item. 12.1., do Anexo I (projeto básico), do Edital de Concorrência no 001/2018;

XX. CONSIDERANDO que, diante da ausência de estudos técnicos oficiais para dimensionar o impacto dessa licitação no sistema de transporte público como um todo, bem como que os dados extraoficiais informam a possibilidade de faturamento estimado superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, I, da Lei n0 8.666/93;

XXI. CONSIDERANDO a inexistência de previsão editalícia de realização da audiência pública preconizada no art. 39, da Lei n0 8.666/93;

XXII. CONSIDERANDO a necessidade de debate social, com transparência e sobriedade, acerca desse serviço público de extrema relevância à comunidade de Vitória da Conquista, que possui, por sua vez, diversos impactos ao já fragilizado sistema de transporte público;

XXIII. CONSIDERANDO o poder de autotutela que é conferido à Administração Pública, que possui não a prerrogativa, mas o dever de anular os seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade ou violação dos princípios norteadores da administração pública, conforme entendimento consolidado na Súmula 473 do STF;

Resolve, nos termos do art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/93, recomendar ao Excelentíssimo Senhor Prefeito HERZEM GUSMÃO PEREIRA a adoção das seguintes providências:

Art. 1o. A promoção das medidas administrativas necessárias para a decretação da REVOGAÇÃO do Procedimento Administrativo Licitatório de Concorrência Pública nº 001/2018, imediatamente, haja vista a necessidade de prévia elaboração de ESTUDO TÉCNICO de impacto da implantação do serviço de transporte seletivo de passageiros no atual sistema de transporte público, como também em decorrência do imperativo legal de realização de prévia audiência pública, nos termos do art. 39, da Lei 8.666/93, para possibilitar a participação social no debate sobre esta relevante temática.

§ 1o. A determinação de realização de ESTUDO TÉCNICO a ser elaborado com o objetivo de averiguar o impacto da implantação do serviço de transporte seletivo de passageiros no atual sistema de transporte público, no prazo de 05 (cinco) dias, evitando-se que da repercussão dessa reorganização pontual do sistema de transporte público sobrevenham prejuízos ao erário municipal por conta de novos ajuizamentos de pretensões indenizatórias.

§ 2o. O ESTUDO TÉCNICO realizado deve ser apresentado a esta 8a. Promotoria de Justiça, como também à sociedade conquistense em geral, em audiência pública a ser futuramente designada, na forma do Art. 39, da Lei no 8.666/93, possibilitando, assim, a participação de todos os interessados, direta e indiretamente, em um amplo debate democrático acerca da licitação a ser realizada.

Art. 2o. A determinação imediata da realização dos meios necessários para uma INCONTESTE e EFETIVA fiscalização do transporte clandestino no Município de Vitória da Conquista, com a aplicação das medidas previstas no Art. 15, da Lei 968/99, para coibir a referida prática ilegal e de conhecimento público e notório, que, indubitavelmente, coloca em risco a saúde e a vida dos cidadãos conquistenses que necessitam de transporte público;

Art. 3o. No prazo de 05 (cinco) dias, a partir do recebimento desta, manifeste-se, querendo, acerca do acatamento da presente Recomendação, haja vista a urgência reclamada neste caso, vez que a realização do mencionado certame licitatório já se encontra na iminência de se concretizar, bem como envie, neste mesmo prazo, à 8a. Promotoria de Justiça de Vitória da Conquista as informações sobre as providências tomadas, ressalvando-se, desde já, que poderão ser cobradas as responsabilidades civil, penal e administrativa pertinentes, especialmente em razão da prática de ato de improbidade administrativa, caso não se dê o devido cumprimento.

Na hipótese de desatendimento à presente recomendação, de falta de resposta ou de resposta considerada inconsistente, este órgão do Ministério Público deverá adotar as medidas cabíveis à obtenção do resultado pretendido com esta Recomendação.

Dê-se a devida publicidade à presente Recomendação, no mural deste ERMP/VC e no Diário Oficial do Poder Judiciário.

Vitória da Conquista, 25 de abril de 2018.

LUCIMEIRE CARVALHO FARIAS

Promotora de Justiça

Titular da 8a. Promotoria de Justiça de Vitória da Conquista ​


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