Roberto Paulo Machado Lopes: Emitir moeda ou aumentar a dívida pública contra a crise?

Foto: BLOG DO ANDERSON

Roberto Paulo Machado Lopes

Estamos acostumados a vivenciar crises econômicas oriundas de disfuncionalidade nos mecanismos de produção, de consumo, do sistema financeiro e/ou decorrente de desequilíbrios fiscais. Para o enfrentamento destas crises temos um acumulado de experiências, uma vasta literatura e evidências empíricas sobre a melhor forma de enfrenta-las. Além de conhecermos as causas e efeitos, possuímos um conjunto de parâmetros que permite uma dosimetria adequada no tratamento. O colapso econômico atual, entretanto, não é oriundo do sistema produtivo, trata-se de uma emergência de saúde pública de importância internacional que afeta o sistema produtivo e que, diferente das crises do sistema econômico, não há parâmetros ou modelos que permitam estimar seus efeitos ou introjectar soluções.  É um fenômeno raro, imprevisível e de forte impacto; daí a instabilidade gerada e o assombro de trabalhadores, empresários e governos. A vantagem (se é possível falar em vantagem nessas circunstâncias) é que, uma vez superada o surto da doença, a volta à normalidade será mais rápida do que em crises fiscais ou financeiras. Seus efeitos não se alongam tanto quanto nas instabilidades econômicas e não compromete a taxa de crescimento futuro, pois o choque sofrido pela economia foi externo a ela. Leia a íntegra mais um artigo do professor doutor Roberto Paulo Machado Lopes.

Os mecanismos de transmissão da crise de saúde para a economia são basicamente quatro: (i) choque de oferta – com paralização parcial do sistema produtivo e interrupção nas cadeias de produção (cadeias de valor fortemente integradas); (ii) choque de demanda – queda na renda e redução das exportações; (iii) preço das commodities – afetando os termos de troca (precisamos exportar mais para receber a mesma quantidade de divisas), e, como decorrência disto, (iv) aumento da incerteza, com a busca por ativos mais seguros. O aumento do risco tem levado a fuga de capitais, a consequente valorização do dólar, redução (ainda que não preocupante) das reservas internacionais e aumento do risco-país.

            Diante deste quadro de pânico de extensão mundial, só uma ação firme do Estado com políticas fiscal e monetária pode amainar seus efeitos. É necessária uma política de reposição de renda para as pessoas mais atingidas com transferências para os mais pobres; ampliação do seguro desemprego; manutenção do fluxo de caixa para as empresas para impedir destruição de capital físico, humano e organizacional, permitindo a recuperação mais rápida e evitar redução da produtividade; apoio para Estados e Municípios realizarem a gestão das cidades; e, ampliação do sistema de saúde. Estas ações são fundamentais para achatar a curva de recessão sem agravar a curva de infecção, já a adoção de uma política de saúde pública apropriada (impondo medidas drásticas de distanciamento social e promovendo práticas de saúde para reduzir a taxa de transmissão) reduz a taxa de mortalidade. Contudo, mergulha a economia em uma parada repentina acentuando a curva de recessão. A ação do estado impede o caos econômico sem ter que achatar a curva de infecção.

            É importante gastar o que for necessário na saúde e na rede de sustentação dos mais necessitados, apoiar pequenas e médias empresas e setores específicos para evitar o desemprego em massa que decorreria de recuperações judiciais e falências. É fundamental medidas como o apoio na forma de empréstimos com garantia do Tesouro e o apoio direto através de pagamentos a fundo perdido de parte substantiva da folha salarial, como em alguns outros países. Políticas com esse formato (keynesiano) têm levado governos de países do mundo todo a se endividar para sustentar suas economias. No Brasil não é diferente.

            O aumento da dívida pública e a questão fiscal, decorrentes das medidas de socorro à economia, serão problemas menores nesse contexto desde que esses gastos não se tornem permanentes. O complicador de uma dívida pública é tornar perpétuo despesas que deveriam ser transitórias. Quando a economia retornar à normalidade as políticas de socorro têm que ser interrompidas. A dívida pública brasileira, que em 2019 fechou em 75% do PIB, deve aumentar para cerca de 90% ao final deste ano, em função tanto do maior endividamento para financiar os gastos públicos, quanto da redução do PIB, resultante da recessão. Nestes termos, não teríamos problemas futuros no financiamento da dívida pública. Entretanto, se pressões políticas tornarem os gastos emergenciais em permanentes ou o governo cair na tentação populista de turbinar a economia para ganhar a eleição em 2022 (como ocorreu em 2013 e 2014), a dívida pode ultrapassar 100% do PIB, tornando sua trajetória explosiva. É nesse ponto que reside o problema econômico e a maior ameaça ao nosso futuro. O estado pode gastar o que for necessário para impedir uma depressão econômica, desde que este gasto (financiado por dívida ou emissão de moeda) seja pontual, restrito aos efeitos econômicos da pandemia.

O tamanho da dívida não é tão importante quanto sua trajetória, ou seja, é preciso manter uma relação dívida/PIB estável. O Japão tem uma relação dívida/PIB superior a 230%, Estados Unidos em torno de 105%. A derivada da curva é quem acende o sinal vermelho. No Brasil essa relação tornou-se preocupante porque saltou de pouco mais de 50% para quase 80% com tendência explosiva em poucos anos. É a perspectiva de um crescimento descontrolado da relação dívida/PIB que malogra expectativas, afugenta o investimento privado, aumenta a percepção de risco do país e leva à depreciação exagerada da moeda nacional. A crise é grave, entretanto, cabe destacar que independente dos efeitos econômicos da emergência mundial de saúde, a economia brasileira preservava, em tendência, as condições de sua trajetória de crescimento medíocre. Já estávamos caminhando para uma segunda década perdida independente da crise de saúde.

Uma alternativa ao endividamento público (e o consequente aumento da relação dívida/PIB) é a EMISSÃO DE MOEDA. Muitos economistas destacados e com experiência no mercado e em governos, entre eles Henrique Meireles, ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda têm defendido que a autoridade monetária deveria imprimir dinheiro. O grande risco da emissão de moeda é gerar inflação, no entanto, com a recessão que estamos experimentando não há risco de aumento de preços no contexto atual. A emissão de moeda não causa elevação da dívida junto ao mercado, apenas junto ao Banco Central. Minha concordância com esse tipo de política é condicional. Estamos vivendo uma crise de enormes consequências e que não foi previsto pelos especialistas, mas esta ação, se for a opção das autoridades, deve restringir-se ao esforço para equilibrar os efeitos da Covid-19 na economia. Superado o problema, as emissões de moeda devem seguir o curso normal de garantia da liquidez. Quando o cenário econômico melhorar será necessário enxugar a liquidez no mercado financeiro através da política monetária, tendo como ônus o custo das reservas bancárias – mas aí é uma outra história recheada de termos técnicos que não cabe nesse texto informal.

Não existe restrições formais (e sim de lógica econômica) para imprimir dinheiro. O Tesouro Nacional, por meio de seu agente, o BC, tem o monopólio da emissão da moeda nacional, o Real. Isto ocorre regularmente quando o setor privado precisa de mais moeda. Nesse caso, o BC pode emitir a custo zero e ganhar dinheiro. Esse poder de compra criado do nada é uma renda do Tesouro, único acionista do BC, chamada de senhoriagem. Cabe salientar que a Constituição Federal, em seu Artigo 164, impede o Banco Central (BC) de emprestar para o Tesouro. Além disso, o BC não pode emitir títulos próprios, tem que usar títulos do Tesouro Nacional para operar a política monetária, que vende aos bancos para controlar a oferta de moeda. Dada essa restrição, que dificulta o financiamento do Governo, existe uma Proposta de Emenda Constitucional, no chamado orçamento de guerra, flexibilizando, durante a pandemia, essa restrição. Para financiar os gastos do Tesouro existem outras propostas de menor viabilidade como vender estatais ou vender as reservas do Banco Central.

Portanto, o Estado – Governo Central (e só ele) – possui os mecanismos para impedir que a economia descarrilhe totalmente dos trilhos e evitar o caos social. Acredito que as medidas precisam ser mais ousadas, seja nas transferências de renda e, principalmente, para as pequenas empresas que, em função da aversão ao risco, não têm tido acesso ao crédito no sistema bancário regular, além de não disporem dos mecanismos de financiamento acessíveis às grandes empresas. Contudo, assim como defendo medidas mais ousadas no apoio à trabalhadores e empresa, também defendo que elas devam ser circunscritas aos efeitos econômicos da pandemia, digo econômicos porque uma eventual vacina resolve o problema da crise de saúde, mas os efeitos sobre o setor produtivo vão persistir por algum tempo.

O financiamento dos gastos para garantir renda das famílias e a solvência das empresas podem vim tanto da emissão de moeda quando do endividamento público. Não há muitas objeções técnicas, legais ou teóricas para o seu uso, e as implicações podem ser facilmente controladas na sequência dos eventos. Certamente a INAÇÃO teria um custo econômico e social muito maior, com um alto potencial para agravar nossa perspectiva de futuro, já tão entenebrecida.

Roberto Paulo M. Lopes – Professor Titular do Curso de Economia da UESB


2 Respostas para “Roberto Paulo Machado Lopes: Emitir moeda ou aumentar a dívida pública contra a crise?”

  1. Márcio Higino Melo

    Fui aluno do professor Roberto Paulo. Concordo com o seu pensamento, muito lúcido e consoante os pensadores econômicos de escol. O problema reside no pensamento fiscalizar ultraliberal de direita do atual governo.

  2. Márcio Higino Melo

    Fui aluno do professor Roberto Paulo. Concordo com o seu pensamento, muito lúcido e consoante os pensadores econômicos de escol. O problema reside no pensamento fiscalizador ultraliberal de direita do atual governo.

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