Tributo a Robson Marocci: ego amadurecido

Foto: Reprodução

Valdir Gomes Barbosa

Bem-apessoado, simpático, elegante e tranquilo, fala mansa, bom vivedor, apreciador dos prazeres que nos oferece a existência, cortês no trato com todos, do tipo diplomata, mas, dono de argúcia apurada, sagacidade esmerada e coragem pessoal decidida, predicados estes que o fizeram exercer por décadas, com proficiência, a carreira que abraçou desde muito jovem. Leia essa homenagem na íntegra.

Pude conhecê-lo, no apagar das luzes da década de setenta, depois que debutei, na condição de Delegado de Polícia, em Itapetinga e adjacências, área do sudoeste baiano. Nesta época gravitei no entorno da velha Secretaria da Segurança Pública, fincada à Praça da Piedade militando como plantonista, na antiga Delegacia de Furtos e Roubos, bem como na Primeira Delegacia, cujos titulares eram Vitória Régia e Nelson Machado, respectivamente.

Em seguida, já iniciando os anos oitenta cumpri tarefas na Quarta e Terceira Delegacias, localizadas nos bairros de São Caetano e Ribeira, capitaneadas pelos saudosos Drs. Adilson Santos e Antônio Brandão findando, porque não dizer, este estágio probatório, na mesma Furtos e Roubos, só que em sua nova sede, da Baixa do Fiscal, diante da batuta magnífica de Dr. Raimundo Lisboa.

Daí, após integrar quadros do CEOP, onde pontuaram Humberto Dantas, Edvaldo Lins, Chico Neto, Ildomar Rodeiro, Itamir Casal, Marcos Edson, Raimundo Gonzalez, o primeiro e último desta lista já longe de nós, laborei na capital e muitos outros cantos do Estado, do País e até fora dele, a interesse da segurança pública baiana culminando na assessoria de dois Secretários – Francisco Neto e Kátia Alves -, até quando alcei o mais alto posto da instituição policial civil.
Hoje, quando caminho para os quarenta e cinco anos de vida pública vivendo tempos de aposentadoria, de nada arrependo ou me envergonho. Olho para trás com saudade e orgulho, mesmo porque, os percalços enfrentados no caminho íngreme que trilhei, me trazem a convicção de ter sido vitorioso, graças aos mestres, aos companheiros d’ármas de todos os níveis com quem pude conviver ombreado guerreando e, sobretudo, à proteção magnânima de Deus.
Mas, a despeito destas considerações preliminares devo afirmar, as linhas agora derramadas com emoção neste teclado, na manhã soteropolitana fria, de meados do julho deste ano atípico, onde o mundo se rende as mudanças de hábito e ao clima fóbico gerado pela pandemia do Covid, pretendem falar, do personagem retratado a início, amigo e companheiro que partiu para nova dimensão, na última terça-feira: ROBSON MAROCCI.

Pus-me a retratar aquele cenário, principalmente, do atual Palácio da Polícia Civil, pois, justo nele, naquele meu tempo de aprendiz, época de Dr. Antônio Medrado comandando a instituição, Dr. Armando Ulm inaugurando nosso DEIC, Dr. Américo Fáscio dirigindo o DEPIN pude conhecer Marocci, ainda investigador, sempre jeitoso, ao lado destes preclaros e outros tantos expoentes da casa, a exemplo de Dr. João Laranjeiras, Edgar Medrado, Jurandir Moisés e Waldir Carrera.

Finalmente, Robson se tornou Delegado do quadro de carreira e esteve à frente de muitas unidades, em especial no interior. Foi Delegado Regional – na atualidade Coordenadoria de Polícia – em Senhor do Bonfim, Vitória da Conquista e Itapetinga, além de haver militado, como Delegado Municipal – atualmente Delegacia Territorial – noutros municípios, a exemplo de Ibicuí e Caravelas.

Exatamente passagens vividas por nós dois, em alguns destes sítios nos quais ele teve atuação, me inspiram a grafar este texto, para relembrar os episódios, em forma de homenagem.

A Décima e Décima Primeira delegacias foram, na segunda metade dos anos oitenta, unidades onde servi na condição de plantonista. Certo dia, ao chegar numa destas, para cumprir meu turno soube que o Secretário – Ênio Mendes – determinara fosse ter ao seu gabinete, por óbvio atendendo de pronto, mesmo intrigado, em face de não saber qual assunto deveria tratar com o chefe da pasta. Passava das 21 horas quando fiquei frente a frente com o executivo.
Sem muito rodeio, ele me perguntou se tinha ciência dos crimes que estavam sendo praticados na região de Senhor do Bonfim, por um bandido sanguinário, a revelar traços de psicopatia, responsável por mortes diversas, inclusive, de adolescentes e anciãos. Conhecido por “Dau”, filho da terra, sua fama cuidou de crescer diante da violência dos seus atos, cheios de requintes perversos e, à medida que não era contido pelas autoridades locais, até mesmo emergiu o mito de que “envultava” – desaparecia como por encanto – aos olhos dos perseguidores passando a ser chamado de “novo Lampião do Nordeste”, fato capaz de dominar até a mídia nacional.

Certo é, saí do encontro com o chefe incumbido de rumar até o palco onde o facínora atuava, no intuito de detê-lo. Fi-lo, cuidando de reunir toda a turma que durante muito tempo seguiu meus passos permitindo fossem exitosas as empreitadas que enfrentei, a exemplo dos saudosos Adilson Santos e Almir Nascimento, deixando de citar os demais que ainda estão conosco, para não pecar pelo esquecimento de qualquer destes.

Depois que chegamos no palco da operação, a rede Globo, através seu repórter Zé Raimundo fez matéria sobre o assunto, rodada em horário nobre para o país inteiro. Na reportagem afirmei ter a solução do problema em duas semanas, atitude censurada por meus superiores, pois, segundo estes, a afirmação fora precipitada, diante de questão que se arrastava há meses.

Entretanto, não me alongarei acerca deste fato e outro, do qual também falarei adiante, mesmo porque, o objetivo das palavras aqui tecladas visa lembrar a figura de Robson Marocci, muito embora cuide de revelar que em prazo inferior ao estipulado na entrevista, o marginal veio a óbito, após embate conosco, na sede de Senhor do Bonfim.

Marocci era o Delegado Regional sediado ali, quando fui ao seu encontro informar acerca da missão em curso. Sempre que estava na incumbência de atuar, na condição de Delegado Especial, coisa que fiz muitas vezes, mormente nas administrações de Chico Neto e Katia Alves, diante de roubos a banco, carros forte, crimes de extorsão mediante sequestro que avançaram muito naquele período cuidava de interagir, da melhor forma possível, com o colega titular da área e demais profissionais que lhe assessoravam.

Primeiro em função do respeito que devia aos parceiros locais, como de resto devemos todos, uns aos outros, depois, porque as peculiaridades de cada canto eram fatores velhos conhecidos seus, muitas vezes capazes de trazer importantes respostas aos forasteiros, afinal, soluções enlatadas não existem.
Ademais, a vaidade própria dos mortais interfere em situações deste jaez, destarte, a cada nova investida, mesmo atendendo determinação superior, cuidava de tentar minimizar os efeitos nocivos advindos na esteira de ferir o amor próprio dos colegas, os quais, muitas vezes, por absoluta falta de recursos deixavam de realizar tarefas para as quais estavam preparados, mas, diante das dificuldades, se viam impossibilitados de cumpri-las. Chegar vestido no manto de “salvador da pátria”, do qual procurava cada dia mais me ver dele despido, à medida que amadurecia era imperioso a todos, naquelas situações incômodas
Entretanto, Marocci, sabedor do meu avanço em seu território, nos recebe de braços abertos. Busca acomodar os companheiros em melhores hospedarias, nos franquia apoios logísticos necessários, compartilha as informações que detinha, facilitadoras para alcançar os objetivos, mas, o que não me sai da memória até hoje foi uma frase que ouvi brotada dos seus lábios, em flagrante postura cidadã e altruísta. “COMPADRE, QUE BOM VOCÊ TER VINDO, COM CERTEZA, AGORA VAMOS PEGAR ESSE ELEMENTO”.

Por isto o título atribuído ao artigo homenagem. Apenas um ego amadurecido poderia agir com tamanha dose de desprendimento elevado. Tão somente grandes de espírito conseguem chutar o balde da vaidade e ver cair sobre si mesmos o leite derramado da consciência, onde o bem comum é mais importante do que qualquer outra satisfação pessoal de tom menor.

Anos depois, quando ele chefiava a unidade regional de Itapetinga, por coincidência a terra onde tudo começou para mim, na condição de homem de polícia, outra vez cheguei a bordo de missão, responsável por apurar crime de mando – hediondo – por lá ocorrido e, novamente, o amplexo cheio de cumplicidade foi o piso da ponte por onde caminhamos de novo, no rumo do sucesso.

Sua passagem me faz viajar nestas doces e gratas lembranças. A nostalgia destes bons tempos invade meu ser, assim, bastante comovido recordo tudo, como se estivesse acontecendo agora.

Um dia haverei, desde quando é inexorável o caminhar ao futuro, para todos os viventes, de lhe encontrar em campos etéreos, nos quais ele agora se encontra viajando ascensionado, nas asas dos seus próprios méritos. Com certeza, neste tempo ouvirei novamente, aquelas palavras iniciais da sua assertiva inesquecível: “COMPADRE, QUE BOM VOCÊ TER VINDO”.
Salvador, 16 de julho de 2020
valdir barbosa


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