Coluna Justiça | Os problemas da posse no Direito Imobiliário: classificação e vícios

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Este artigo aborda as diferentes classificações da posse e seus vícios. É um estudo essencial para resolver conflitos possessórios tão comuns em nossa sociedade e que sempre afligem as famílias e batem à porta do Justiça.  O objetivo é fazer um estudo de base que sirva à atuação profissional do advogado em todos os seus processos e consultorias relacionadas ao tema da posse. Para tanto, a exposição contemplará inicialmente o conceito da posse – nas concepções de Savigny e de Ihering – e, em seguida, tratará das classificações da posse. 

Aspectos introdutórios da posse

Segundo Rosenvald e Farias (2014) a posse na concepção de Savigny trata-se do poder que a pessoa possui de dispor materialmente de uma coisa, com o intuito de ter a coisa para si e defender a coisa contra a intervenção de outrem. Os dois elementos da posse são: o corpus e o animus. O corpus se refere ao controle material da pessoa sobre o bem, podendo se apoderar, servir e dispor. O animus é o elemento da vontade de ter a coisa para si. 

A teoria de Savigny concede grande autonomia à posse, que passa a ser tida como merecedora de tutela. Com base nessa teoria, o possuidor pode invocar os interditos possessórios, independente de deter o direito de propriedade

Conforme indicado por Rosenvald e Farias (2014), para Ihering a posse é tida como “mero exercício da propriedade”. Dessa forma, na concepção de Ihering a posse guarda relação com o direito de propriedade. 

As duas teorias concebem a posse sob o aspecto da detenção. O Código Civil de 2002 é pautado na teoria de Ihering. Assim, a posse é caracterizada como um direito subjetivo real. 

Contudo, cabe indicar que a posse pode ser dimensionada de outras maneiras, tais como relação de direito real ou obrigacional e posse de apossamento ou de ocupação da coisa – função social da posse.

O Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas organizado por Sidou (2016, p. 474) traz a definição de posse na perspectiva de Ihering, qual seja, “relação de fato estabelecida entre a pessoa e a coisa para o fim de sua utilização econômica. O fato de se exercer, plenamente ou não, algum dos direitos inerentes à propriedade”. 

A posse pode ser classificada em: posse exclusiva ou composse -, posse direta ou posse indireta, posse justa ou posse injusta, posse de boa-fé e posse de má-fé. Além disso, a posse pode ter vícios objetivos e vício subjetivo. Os vícios objetivos se referem a qualificação como justa ou injusta, dependendo da forma em que foi adquirida, já o vício subjetivo pode estar relacionado com a má-fé.  

Posse exclusiva ou composse e posse direta ou posse indireta 

Conforme indicado por Tepedino (2020) verifica-se a composse quando ocorrer o exercício simultâneo da posse por mais de uma pessoa. A composse está prevista no artigo 1.199 do Código Civil de 2002 e também pode ser chamada de posse simultânea ou posse comum.

Para caracterizar a composse é necessário que estejam presentes dois pressupostos: a pluralidade de sujeitos e a existência de uma coisa indivisa ou que se encontre em estado de indivisão. A composse se refere a um estado de comunhão. Na composse é identificada uma só posse, que é exercida de forma simultânea, por vários possuidores sobre a mesma coisa (AQUINO, 2013). 

A composse se encerra quando for extinta a relação jurídica que lhe originou, bem como, quando for extinto o estado de indivisão da coisa que determina a composse. 

Destaca-se que a composse não é a única situação em que duas posses incidem sobre o mesmo objeto, existe ainda, o desdobramento da posse em direta e em indireta. A posse direta é aquela exercida por quem utiliza de forma direta o bem, já a indireta se refere a quem exerce poder sobre a coisa, porém sem ter contato direto. 

A posse direta e a posse indireta não se excluem. O possuidor direto é aquele que possui a posse, em razão de direito pessoal ou real. O desdobramento da posse é temporário, dessa forma, a posse será retomada para quem assegurou-a a terceiro, com extinção do direito real / direito pessoal (FULGÊNCIO; VIANA, 2015). Exemplo: locatário é possuidor direto e o locador (proprietário) é o possuidor indireto. 

Vícios Objetivos da Posse e Vício Subjetivo da Posse 

Salienta-se que o vício objetivo está relacionado com o modo pelo qual a posse foi adquirida e a sua situação no mundo fático. Assim, a posse pode ser considerada justa ou injusta dependendo da maneira em que foi adquirida. 

O vício subjetivo se refere à convicção do possuidor no que diz respeito à legitimidade da posse. Ressalta-se que a má-fé trata-se de vício subjetivo. 

A posse justa está prevista no artigo 1.200 do Código Civil de 2002. A posse justa é aquela que não for violenta, clandestina ou precária. A posse injusta, por sua vez, é aquela que possui vício possessório, ou seja, defeito ou ato ilícito na origem da posse. A posse injusta se subdivide em: posse violenta, posse clandestina e posse precária. 

A posse violenta se verifica nas situações em que for tomada por força ou por ameaça. A posse clandestina se adquire de maneira oculta, sem ostensividade ou publicidade, contanto que a ocupação seja constatada de forma eventual por outras pessoas (FARIAS; ROSENVALD, 2014). 

A posse precária é resultante de abuso de confiança do possuidor, que passa a reter o bem de maneira indevida, além do prazo acordado para encerrar a relação obrigacional ou de direito real que gerou a posse. 

Quanto à posse de boa-fé, cabe informar que encontra-se disposta no artigo 1.201 do Código Civil de 2002. Em regra geral, a posse justa é posse de boa-fé e a posse injusta pode ser de boa-fé ou de má-fé.

Embora utilizada pela doutrina e indicada no Código Civil de 2002, a distinção entre posse de má-fé e posse de boa-fé não pode ser considerada a mais adequada sob o aspecto da terminologia. Ao utilizar a expressão má-fé, “suscita no intérprete um inevitável paralelo com sancionamentos que a lei reserva a outras situações caracterizadas pela malícia do agente, pela sua intenção de prejudicar” (SCHREIBER, 2020, p.741). 

 

Entretanto, na situação indicada de má-fé, o que está delimitado é somente a consciência ou não do vício que macula a posse. O referido vício não faz com que a posse não possa ser protegida e não impede a conversão da posse em propriedade, como pode ser observado na usucapião extraordinária. 

Outro ponto importante diz respeito ao justo título, cabe indicar que de acordo com o artigo 1.201, parágrafo único, do CC de 2002, “presume-se a boa-fé do possuidor com justo título”. 

Segundo Schreiber (2020) a presunção de boa-fé do respectivo possuidor é uma presunção relativa e pode ser afastada por prova em contrário, nos termos do parágrafo único do artigo 1.201, do CC de 2002. Exemplo: situação em que o possuidor obtém a coisa por intermédio de contrato de doação, porém não ignora que não pertence ao doador, assim, haverá justo título, mas não boa-fé. 

Diante do exposto, cabe informar que se trata de uma temática importante. Não foi possível esgotá-la, porém, foi possível apontar pontos importantes tratados por diversos juristas. Como foi falado no início do presente artigo, a classificação da posse é fundamental para resolver conflitos possessórios.

Thaís Netto.

Professora, Advogada, Mestra em Direito e Inovação – UFJF. Especialista em Direito Público. Graduada em Administração Pública e Direito.


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