
Ruy Medeiros | advogado e historiador
A maioria da Câmara Municipal aprovou, em primeira votação, por esmagadora maioria, projeto de lei que autoriza a Chefe do Executivo contrair empréstimo no valor de até R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões). Isso mesmo: quatrocentos milhões. Em noticiário televisivo, um dos secretários municipais declarou que a finalidade (aplicação de recursos decorrentes de empréstimo) é realização de obras de infraestrutura. A mensagem fala em obras de infraestrutura, nas quais inclui edificações para serviço de saúde, educação, drenagem, etc. Não posso crer nisso. Digo porquê. Em mal arranjado momento, a Câmara Municipal autorizou à Chefe do Executivo transferir para a EMURC um conjunto de áreas verdes/praças, áreas institucionais, e essa empresa municipal está vendendo-as. Confira a opinião de Ruy Medeiros.
Ora, são essenciais para obras de infraestrutura espaços públicos. Como realizar construção se as áreas disponíveis estão sendo vendidas a particulares? Onde serão edificados os prédios necessários? Pelo visto, alguns “loteamentos” não serão beneficiados, a exemplo do Caminho da Universidade cuja única praça está posta à venda. Não se sabe onde tais obras serão realizadas. Serão compradas áreas para edificação?
Obras de drenagem? Que entendem os administradores por drenagem? A matéria é complexa, pois envolve não somente o escoamento de águas. Diz respeito, por exemplo, à existência de áreas não impermeabilizadas, ao tratamento de (pequenas que sejam) depressões na malha urbana, à existência de vários caminhos para as águas pluviais.
Não posso crer.
Mesmo o grande escoadouro urbano (Rio Verruga) está em processo de muramento por loteamento e conjuntos habitacionais condominiais, sem proteção de margens e mesmo avançando sobre essas. Quase nenhuma árvore no seu vale que corta a malha urbana. Quem fala em drenagem, em obra de infraestrutura, tem exatamente aprovado o processo de muramento do Rio Verruga e de impermeabilização de sua área adjacente. Como ficam as “lagoas” urbanas? Com a grande impermeabilização do solo, seu destino é extravasar. Não é exagero. Uma lagoa foi criada no Bairro Primavera em razão de direcionamento de águas de um desses conjuntos residenciais sobre o loteamento próximo. Aquilo que era mero final de manilha escoadora, virou lagoa. Há uns dois dias, duas pessoas aí morreram. O processo de acúmulo de águas vinha ocorrendo, a rua desapareceu, o pequeno empoçamento virou lagoa. Mas quem diz estar preocupado com obras de infraestrutura em drenagem não viu o surgimento de uma lagoa no bairro Primavera. “O tempo passou na janela, só Carolina não viu…” (Chico Buarque).
Reservo-me o direito de não acreditar, pois os exemplos de despreocupação com a infraestrutura urbana são gritantes. Quem se abalançar a conhecer a expansão atual da zona urbana, a lesnordeste irá ficar impressionado com o número de loteamentos aprovados (embora haja excesso de oferta de lotes em V. Conquista) sem qualquer articulação prevista entre eles, sem qualquer previsão de acesso à malha urbana contínua de Vitória da Conquista que não seja a já sobrecarregada rodovia BA 265 (estrada Conquista a Barra do Choça). Há mesmo preocupação com infraestrutura urbana?
Que será da antiga ETE (“Pinicão”) da Embasa? Com a facilidade com que se aprova projeto de construção/parcelamento do solo urbano sem analisar com vistas ao futuro, não é difícil prever, diante de fortes chuvas, o isolamento da Baixa do Facão. Sobretudo, é preciso seriedade: para empréstimo dessa magnitude (cujo pagamento estender-se-á por futuros gestores) é necessário que haja transparência. A transparência exige que seja apresentado planejamento estratégico de infraestrutura, não basta dizer que serão feitas essa e aquela obra, a sabor de interesses ou de mal analisado sonho de um ou outro administrador. Dinheiro para que plano? Plano concebido a partir de que estudos prévios? Quais obras? Qual a justificativa de sua necessidade?
É preciso que a administração municipal diga quais as áreas de intervenção urbana, qual a locação da rede de drenagem, quais os equipamentos, tudo com os respectivos valores. É importante saber se os valores das obras de infraestrutura e essas encontram-se previstas no Plano Plurianual do município, em consonância com o orçamento municipal e a lei de diretrizes orçamentárias.
Afinal, há obras ditas de infraestrutura que conduzem ao caos. Já ouviram falar de “elevados”‘, que foram o “supra-sumo” de infraestrutura urbana de circulação, no Rio de Janeiro e São Paulo, que estão sendo questionados e dos quais já há exemplo de demolição? Viram recentemente como falta de planejamento (e de concepção desse somado a desleixo) criou uma lagoa onde morreram duas pessoas recentemente? Ouviram falar como direcionamento local de águas pluviais engoliu automóvel e motorista, no Jurema? O que custa, diante da total falta de planejamento estratégico de infraestrutura, de previsão em PP e de estudos prévios, pensar seriamente sobre o pedido de autorização de vultoso empréstimo encaminhado pela Chefe do Executivo à Câmara? O amém de sempre?
Consciência!

