Governo da Bahia: Prestes a virar ministro, Wagner faz balanço dos 8 anos de gestão

Foto: Evandro Veiga | Correio
Foto: Evandro Veiga | Correio

Depois de oito anos no topo do poder na Bahia, o governador Jaques Wagner (PT) aparenta uma alegria que pode parecer estranha em quem está prestes a deixar a posição. Não é caso dele. Afinal, emplacou o sucessor no primeiro turno, mesmo com a descrença inicial dos próprios aliados e contra prognósticos que, até meados de setembro, apontavam para o retorno da oposição ao governo já em 5 de outubro. Na mesma maré, integrou a linha de frente da campanha da presidente Dilma Rousseff no segundo turno e lhe garantiu mais de cinco milhões de votos, a maior quantidade obtida por um candidato à Presidência no estado. Para completar, será o homem de Dilma para a articulação política, embora ainda não haja confirmação oficial de sua cadeira na Esplanada dos Ministérios, assunto com o qual faz piada. Como fez ao chegar para a entrevista ao Correio, na qual elenca o que considera seus legados como governador e fala sobre sucessão, Dilma Rousseff, Rui Costa e Brasília. “Se eu for para o Ministério das Comunicações como estão especulando, aí é que vão dizer que minha vida é seguir os passos de Antonio Carlos Magalhães”, brinca, em referência àquele que foi o maior rival do PT da Bahia. E ri muito, porque para ele o momento permite. Leia a entrevista na íntegra.

Nesses oito anos à frente do governo do estado, o que o senhor considera seu principal legado, ou para usar uma alegoria do futebol, seu gol de placa?
Do ponto de vista estrutural da política, foi ter exercido o poder político de uma forma totalmente nova, mais aberta ao diálogo com empresários, com trabalhadores, com movimentos, com os adversários, com a oposição, com a área de cultura, com as religiões. Em síntese, ter mudado o exercício da política no estado. O poder no grupo político anterior era exercido de forma concentrada, às vezes até sobre outros poderes, como o Judiciário e a Assembleia. A gente oxigenou essas relações, inclusive com vocês da imprensa. Todo mundo se sente mais livre hoje para fazer política no nosso estado. O que não dá para se medir em tijolo, mas é fundamental.

Fora das relações políticas, há um exemplo de como esse estilo pode ter contribuído para a gestão?

Por ter aberto o sistema, que era fechado e afastava muitos empresários que não queriam investir em um ambiente com essa característica, onde prevalecesse a vontade pessoal do governador, consegui aumentar tanto nossa base no interior do estado quanto atrair grandes investimentos, cerca de 500, entre ampliados e novos, que criaram 600 mil empregos. Na verdade, a gente conseguiu mexer no tecido social e as pessoas passaram a perceber que era possível se expressar, participar. Por isso, faço questão de registrar essa marca, que perpassa o asfalto e o concreto.

 

E do ponto de vista da execução, da administração?

Posso dizer que somos medalha de ouro em estradas, 8 mil quilômetros; de casas populares, 260 mil; de hospitais, cinco construídos. Fomos campeões em Samu, em postos de saúde da família, em atração de universidades federais e de investimentos em universidades estaduais, por que multiplicamos por duas vezes e meia o orçamento para as quatros que temos. Saímos de quatro para 30 escolas técnicas federais. Tem mais: levamos água para quatro milhões e meio de pessoas, saneamento para um milhão e meio, saímos da marca de maior estoque de analfabetos para o que gerou o maior número de alfabetizados em oito anos, um total de um milhão e trezentos mil.

 

Do jeito que o senhor fala, parece que não há graves problemas. Segurança, por exemplo…

Evidentemente, não sou menino de ficar me enganando ou enganando as pessoas. Os números estão muito longe do desejado, mas ano passado caíram 8% (os crimes contra a vida). Este ano, ainda não estão fechados, mas creio que deve cair também.

 

E onde o governo atual não ganhou medalha ou foi desclassificado do jogo?

Na segurança eu não cheguei lá, óbvio, mas garanto que deixei o terreno preparado para o próximo governador tirar medalha de ouro. Antes, as polícias Civil e Militar não conversavam, que por sua vez também não dialogavam com a Polícia Técnica. Hoje, estão totalmente integradas. Existe agora cumplicidade entre o Executivo, na área de segurança, o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria, a Assembleia Legislativa. É preciso lembrar que a segurança tem que funcionar como uma linha de produção. Começa com o trabalho da Polícia Militar na rua, que passa para a Civil e a Polícia Técnica para fazer a investigação, oferece inquérito para o Ministério Público, que por sua vez oferece a denúncia para a Justiça, que vai julgar e condenar quem tiver culpa, e na ponta há o sistema prisional. Se essa linha não tiver funcionando de modo articulado, não se chega a lugar nenhum.

Wagner

E dá para dizer que essa articulação melhorou?

Ela tem melhorado muito. No caso do Judiciário, por exemplo, depois das reuniões mensais que fizemos do Pacto pela Vida, com participação de todos esses entes envolvidos na questão da segurança, a articulação aumentou bastante. Hoje, em casos que envolvem líderes de grandes quadrilhas, o secretário da Segurança Pública tem liberdade para entrar em contato com um desembargador, não para interferir no curso de um processo, mas para dar seu depoimento sobre um determinado criminoso. Hoje, a polícia baiana é outra. O sistema de segurança é outro. Criamos o que chamo de fábrica de produção do bem. Contratamos mais gente, compramos mais armamento, substituímos o revólver 38 pela pistola .40, não existe mais o tíquete para comprar 10 litros de gasolina para uma viatura e só. Comprei três milhões de munição apenas para treinamento. Ninguém sai da academia de polícia hoje sem dar pelo menos 100, 150 tiros.

 

Na questão da estrutura da segurança, o problema maior é a capital ou o interior?

Com a chegada do crack, a violência pulverizou e o interior é quem mais sofre. A gente tinha uma sistemática de trabalho que levava em conta o interior calmo. O inferno do crack mudou isso, mesmo em cidades de até 30 mil ou 40 mil habitantes. O governador eleito Rui Costa vai ter que contratar mais gente, vai ter que investir mais na segurança para o interior.

 

Nas conversas com Rui Costa, qual foi a área em que o senhor o alertou sobre desafios que ele terá pela frente?

O que disse a ele tem a ver com uma área que muitas vezes não se dá a devida atenção, por não ter relação com grandes obras. Falo da cultura, que é extremamente importante, é a identidade de um povo, ainda mais na Bahia. É preciso cuidar mais do orçamento para cultura. O resto eu não precisei alertar Rui, porque ele assumiu em 2012 a Casa Civil, a secretaria-mãe, por onde passam todos os projetos prioritários. Depois de dois e três meses no cargo, Rui conheceu profundamente os problemas do governo, sabe onde estão as falhas. Tanto que ele propôs uma reforma administrativa para mudar aspectos que precisam de mudanças. Rui acertou e errou junto comigo, conhece todo os quadros do governo, não vai errar no que errei. O PT nunca tinha sido governo do estado quando assumi em 2007.

 

O senhor interferiu na escolha do secretariado, já que uma parte razoável da equipe atual vai permanecer?

A minha cota é zero, nada.

 

Nem um conselho, uma indicação sequer?

Se ele viesse me perguntar sobre o que eu achava do desempenho de fulano, eu falaria, mas não falei. Na minha experiência como governador, a coisa que mais vi no interior foi o sucessor brigar com o ex-prefeito que o apoiou, porque o cara acha que ainda é dono do governo. Eu disse para Rui: “O que a gente construiu junto, é óbvio, serviu para sua eleição, mas não foi só isso”. Se ele não se apresentasse bem, por mais que o passado fosse bom, o eleitor não tinha levado fé. Acho que ele se consolidou na campanha, nos debates. Mérito dele. Avisei depois da eleição que não sentaria com ele para discutir governo. Parte dos nomes que ele anunciou, conheci na hora. Só sabia que Fábio (Vilas-Boas) iria para a Saúde, porque era uma decisão que ele me contou. Rui avaliou pessoalmente quem tinha bom desempenho e deveria permanecer e onde queria oxigenar e colocar alguém mais próximo a ele. Não me meti. Ele tem autonomia, bom senso, está preparado.

 

Mudando da Bahia para Brasília, já sabe para onde vai? Ou se sabe, vai dizer?

Não digo porque não sei, é a mais pura verdade. Ainda não teve uma batida de martelo. Fala-se muito no Ministério das Comunicações, se falou muito de outros também, mas não há decisão fechada.

 

Independente do cargo, pelo papel na reeleição da presidente Dilma, pela proximidade com ela e pelo capital político obtido na sucessão estadual, o senhor chegará a Brasília com assento privilegiado. Está preparado para ciumeira?

Sou low profile. Vou para lá para ser auxiliar da presidenta. Aqui eu sou governador, conto com uma equipe. Na Presidência, serei parte de uma equipe. Na verdade, o sucesso que tivemos aqui só gera conversório, não me ajuda em nada, faz apenas aumentar os ciúmes ou estimular o adversário a querer me “bater”, como o técnico de um time faz quando manda marcar o centroavante do rival. Dizem, claro, que vou chegar com moral, por ter vencido três vezes no primeiro turno. Vou colocar tudo isso de lado. Quero ficar na minha, longe do holofote. Minha assessoria sabe quantas entrevistas para a imprensa nacional eu recusei. Não me interessa isso. A generosidade e a humildade são as melhores companhias para um vitorioso. Não se pode ser mesquinho nem exibido. Não é falsa modéstia, é inteligência. Óbvio que vai ter ciúmes de quem acha que vou chegar lá assim ou assado. Vou para ser auxiliar e para me manter leal à presidenta, até porque a adoro e a respeito muito.

 

A coordenação política do governo será sua principal função, isso já foi confirmado publicamente. É a segunda vez que o senhor é convocado para cuidar da área em momento de crise, a primeira foi no auge do mensalão, agora com a crise gerada pelas denúncias na Petrobras…

Cada um tem qualidades e defeitos. Todo mundo sabe que uma de minhas qualidades é ser agregador, conciliador, capaz de abrir diálogo, mesmo em situações de tensão, de encontrar saídas em momentos difíceis. Rui, por exemplo, é mais executivo do que eu, mais implementador. Dilma também. Mas você sempre tem que se cercar de quem lhe complementa, de quem tem características que se somem às suas.

 

Vai sentir falta do conforto que a vida de governador proporciona? Por exemplo, do Palácio de Ondina?

De jeito nenhum. Eu sempre tive a preocupação de não me acostumar com as benesses ou com estrutura do poder, por que o poder acaba. Eu estava doido é para voltar a usar meu chinelo de dedo e pegar uma praia, mas não vou poder depois da convocação da presidenta. Óbvio que Ondina é super agradável, tem aquele espaço todo, mas meus pés estão no chão, sempre estiveram. Na verdade, vou sentir falta mesmo do contato com o povo, das visitas ao interior, de tirar foto com as pessoas. Faço muito isso, o meu pessoal me pergunta se eu não me incomodo de tirar tanta foto. Pra ser sincero, vou me incomodar quando ninguém mais me pedir isso.


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