Vitória da Conquista: esgoto chega antes do asfalto em cidade com Melhor Saneamento do Norte-Nordeste

Fotos: Raul Spinassé | FolhaPress

Um cavalo caminha pela rua de terra batida e faz uma poeira fina subir. Não há calçada, não há asfalto, as casas têm os tijolos aparentes e parte das famílias cozinha com lenha em seus quintais. Mas a rede de esgotamento sanitário está pronta e há um bueiro em frente a cada uma das residências do Recanto das Águas, na periferia de Vitória da Conquista.  Com 350 mil habitantes, Vitória da Conquista tem 100% de sua população atendida pelo abastecimento de água e 96,7% das residências ocupadas da Zona Urbana com recolhimento de esgoto, muito acima do índice médio do Brasil.  É a cidade do Norte-Nordeste com a melhor cobertura saneamento básico, segundo o Instituto Trata Brasil. Também é o município do país com melhor cobertura de saneamento do país em relação ao seu Produto Interno Bruto (o PIB per capita conquistense é de R$ 17.991, ou 59% dos R$ 30.407 nacional). Ou seja, é a cidade brasileira que mais fez pelo saneamento com menos dinheiro.

Esse resultado foi conquistado a partir do trabalho realizado nos últimos dez anos. Em 2008, o esgoto chegava a apenas 45% das residências da Zona Urbana. A unidade de tratamento, que se resumia a uma lagoa de decantação, ficava numa região próxima ao Centro e era apelidada de “Pinicão” pelos moradores do entorno por causa do mau cheiro. Hoje, Vitória da Conquista tem a maior estação de tratamento de esgoto do Nordeste, com capacidade para tratar até 533 litros por segundo. Com um tratamento em três etapas, o esgoto purificado volta aos rios após a retirada de 91% da matéria orgânica.

O sistema é maior até do que os usados nas capitais nordestinas, que em sua maioria fazem apenas o tratamento primário do esgoto e o lançam no oceano por meio de emissários submarinos. Além da nova estação de tratamento, os recursos foram usados ampliar da rede pela cidade, que já chega a 800 quilômetros de tubulações. Ao contrário de outras cidades com alta cobertura de esgotamento, contudo, a rede de Vitória da Conquista cresceu com investimentos 100% público, feito raro em um momento em que se discute um novo marco legal para o setor que permita a maior participação de empresas privadas. Ao todo, foram aplicados pela cidade baiana R$ 120 milhões, sendo R$ 72 milhões do Governo Federal e R$ 48 milhões da EMBASA [Empresa Baiana de Águas e Saneamento] , estatal de água e saneamento da Bahia. Confira a reportagem especial da Folha de S. Paulo.

 

 “É claro que ainda temos muito a avançar na qualidade do serviço prestado. No patamar em que chegamos, a população está cada dia mais exigente e mais conhecedora dos seus direitos”, afirma Joselito Pires, gerente regional da Embasa em Vitória da Conquista. O avanço da rede tem acontecido de forma alinhada com a Prefeitura Conquistense, desde 2017 sob Herzem Gusmão Pereira (MDB) e de 2009 a 2017, sob Guilherme Menezes de Andrade (PT). Assim, os sistemas de água e esgoto e de drenagem são instalados antes mesmo do asfaltamento e calçamento das ruas. Dessa forma está sendo feito no loteamento Recanto das Águas, onde rede de esgoto foi instalada há três meses. Moradora há duas décadas, a aposentada Noélia Ribeiro Mota, 79, finalmente deixou de usar a fossa séptica que tinha no quintal de casa. Com a ajuda do filho Daniel Gonçalves, 58, comprou a tubulação e ligou à rede aos ralos das pias e ao vaso sanitário da sua casa.

 “Com a fossa, sempre tinha problema de mau cheiro e da água que ficava empoçada”, afirma. Algumas casas adiante, a dona de casa Ana Lúcia Batista, 60, ainda lava os pratos em uma pia na qual tem que trazer água com baldes, e o esgoto é escoado por um cano sai no próprio quintal de casa. Com sistemas de água e esgoto recém-instalados no bairro, ela já comprou a tubulação e iniciou a ligação com suas pias, ralos e vaso sanitário. Em outras localidades, como Vila América, a chegada do sistema de saneamento valorizou os imóveis da região, que não convivem mais com esgoto correndo a céu aberto. “Antes, era um mau cheiro enorme. Eram comuns ratos e baratas pela rua”, lembra o motorista Dernivaldo Cerqueira, 58. Uma consequência direta do avanço do saneamento na cidade foi a redução da incidência de doenças relacionadas à falta de tratamento de água nos últimos dez anos. Os casos de hepatite registrados, por exemplo, caíram de 28 em 2008 para 3 em 2012 e 0 em 2018.

 Com uma cobertura de esgotamento praticamente universalizada na zona urbana, o município agora mira as regiões de Zona Rural. Vitória da Conquista tem 11 distritos e 304 povoados, alguns deles a mais de 60 quilômetros da sede. “O grande desafio é a Zona Rural. Quando você leva a água, você gera um problema de destinação da água servida e buscar soluções pra colher esse esgoto”, diz o secretário municipal de Infraestrutura, José Antônio de Jesus Vieira.  A cidade ainda possui outro entrave para garantir a efetividade das ações de ampliação da rede: a pobreza de uma parte população. Mesmo com o sistema de esgotamento já instalado, algumas casas visitadas pela Folha ainda não haviam feito a ligação com a rede pública por falta de dinheiro para a compra de material e mão de obra.

É a situação do casebre onde vivem a dona de casa Agata Pereira, 26, e o gari Ítalo Pereira dos Santos com os três filhos. Com o bueiro instalado em frente à residência, eles ainda não conseguiram juntar dinheiro para comprar o encanamento. Enquanto isso, a família continua usando a fossa séptica para o vaso sanitário, e a água usada para lavar pratos ou tomar banho é despejada na própria rua. O filete escorre pelo declive da rua, cria sulcos na terra e escorre em direção a um riacho. Coincidentemente, o rio está ao lado de uma estação elevatória, que bombeia o esgoto dos vizinhos rumo ao tratamento adequado.


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